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O Velho Saul | Artigo

Foto ilustrativa: Reprodução/Internet

Dedico a coluna desta semana ao Doutor Marconi Araújo, o qual completou nestes dias mais um ano de vida. Marconi constitui aquele amigo que a gente, de coração, torce por ele, para que seja feliz, para que seja próspero, para que a abundância, a alegria e a paz andem com ele e estejam ao seu entorno todos os dias. Obrigado Marconi. Parabéns pelo seu aniversário.

Ao chegar em seu sítio meu pai pediu para eu tocasse o sino, bem no pé direito da porteira, gritando para que Saul chamasse Quitéria. Ante o sorriso largo e sincero do homem que saiu debaixo da sombra de um bambuzal ao fundo da horta, vi uma pessoa que carrega em seus ombros o peso das dificuldades e dos anos.

Saudou meu pai com um afago no rosto e um pedido a mim que corresse à cozinha, a fim de avisar dona Quita que o Toninho da Dinalzira estava lá.

Dona Quita com um sorriso ainda mais aformoseado no rosto, gritou, perguntando se o moço que ora adentrava na cozinha era irmão ou filho dele, ao que o meu pai respondeu: – “Meu garoto!”, imitando o Chico Anízio em um dos seus vários personagens.

Dona Quita abraçou meu pai, convidando a todos para sentarem-se à mesa da cozinha. Aliás, uma mesa impressionante, não só pelo tamanho, como pelo peso da madeira maciça, Jacarandá, com aquele brilho característico da madeira nobre, bem traçada pelo tempo.

Após relembrarem algumas passagens dos tempos antigos, foram se aproximando os filhos, os netos, filhas, netas, cunhadas, cunhados, ao “cheiro do café de mancebo”, que a dona Quita preparava com tanto amor e carinho para todos. Que café saboroso. Adoro café. Bebia muito. O doutor Leonardo Toledo certa vez recomendou-me diminuir a ingestão de café, no que eu obedeci claro, contrariado, mas obedeci. Bebo apenas algumas xícaras da garrafa de um litro que eu tenho em casa. Vida longo ao Doutor Leonardo, (apesar do rigor da dieta prescrita, a qual achei um exagero. Mas está funcionando!).

Saul foi apresentando os filhos, as filhas, os netos, as netas e nas mãos da Raquel, a filha mais jovem, o primeiro bisneto: Antônio Saul. Justa homenagem. Antônio era o nome do outro avô. Homenagearam os dois avós. Imaginem o quanto a criança era paparicada.

Após os bolinhos de chuva, biscoitos, requeijão, doce de leite, café e dois abacates, com a indicação de festividade do Coral Cânticos de Sião na Igreja Evangélica Assembléia de Deus, no qual meu pai era regente, partimos para casa.

Observando os filhos do senhor Saul, entretanto, pude perceber que na verdade, dos oito filhos, três deles tinham a cor da pele bem morena. Não eram negros, mas tinham ascendência negra, com toda certeza. Como disse, aí sim começa a história.

Contou-me meu pai que Saul recebeu em sua casa uma moça que chegara do norte de Minas. A moça era bem morena. Em casa, tornou-se uma mulher feita, e atraente. Contou-me meu pai que Saul manteve com esta mulher relacionamento amoroso por alguns anos. E aí a estranheza. A dona Quita de tudo sabia, inclusive passou a mulher para dentro de casa quando esta aproximou-se dela na cozinha, contando os fatos da paixão, afirmando que esperava de Saul um filho. Dali há alguns meses, a mulher ganhava um recém-nascido em casa.      Dona Quita empenhou a mulher e o filho de Saul em um dos quartos.

Logo lhe nasceram outros filhos e todos conviviam de forma harmoniosa.

Segundo relatos de Saul ao meu pai e familiares dele, na Usina, Tia Lú, Titi Tião, meu tio, dona Quita amamentou todos os filhos da mulher, visto nascerem quase que concomitantemente aos seus. Nunca houve qualquer predileção entre eles por parte de dona Quita e o senhor Saul, tendo todos os filhos se casado, construído família, constituído os seus lares, sem brigas e em paz.

Mais intrigante ainda a revelação feita por dona Quita na cozinha, o que só então pude entender. Disse a esposa de Saul que a tal mulher foi trazida do norte de Minas ao Coronel Luciano, visto ser muito formosa e “pura”, nos seus quinze anos de idade. Foi entregue ao Coronel por um tio da menina.

Após alguns poucos meses, o Coronel viu Saul trabalhando, montado sobre um cavalo por trás da pista de pouso, do que é hoje o aeroporto, tocando gado, chamando-o. Depois de alguns minutos de conversa, ficou acertado que Saul levaria a moça para a casa dele, pois não poderia ficar com a moça na casa de campo, tampouco coloca-la em casa de estranhos.

Para recompensá-lo, deu-lhe um pedaço de terra para cultivar, o cavalo no qual ele estava montado, sementes, auxílio para plantar, três ou quatro vacas e dois bois. Ele já estava de casamento marcado com Quitéria, levando tudo ao conhecimento dela, resolvendo partir os três para o sítio, o qual o Coronel havia destinado a ele, este mesmo sítio o qual visitamos nesta data.

O sino foi colocado por Saul a fim de avisar caso alguém da família da moça fosse até o local, visto que havia notícia de que queriam resgatar a menina e “pagar” o mal que fizeram a ela. Mas os tais familiares encrenqueiros nunca apareceram. E o sino ficou por ali.

No dia em que lá estive, dona Quita havia dito que a mulher fora para o norte de Minas rever os familiares. Contudo nunca mais retornou, não dando notícias nem explicações.

Desde esse dia então, dona Quita criou como seus, os três filhos desta mulher, filhos também do seu marido Saul. Mas bonito ver que todos a chamavam de “mamãe”, havendo por ela muito respeito e carinho. Desta família não tenho mais notícias. Com o perecimento da lavoura, apertada entre os canaviais e a mecanização, tomou rumo o estado de São Paulo. Nunca mais tive notícias destas pessoas.

Histórias que o povo conta…

IJR/

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