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Artigo: É preciso dar nome ao relacionamento?

É comum questionarem: “Para que definir o relacionamento? Está bom assim, não está?”.

Está se tornando comum casais se formarem e decidirem não nomear o relacionamento, ou seja, não se definirem, por exemplo, como “namorados”. Eles apenas se encontram com frequência. Às vezes, firmam inclusive um acordo no relacionamento, como manter a fidelidade, por exemplo. Contudo, continuam sem definir a relação. Esse tipo de relação, essa fase incerta entre o se conhecer e o namorar, que atualmente pode durar meses ou anos, está sendo denominada “situationship” (nome dado pela escritora estadunidense Carina Hseih em 2017), ou relacionamento de situação, em tradução livre.

Muitas pessoas passam pela fase de incerteza sobre o status do relacionamento, um período em que se quer namorar, “oficializar” a relação, mas não se sabe se está cedo demais ou no momento certo. Essa fase acontece frequentemente nos relacionamentos. Entretanto, o que está acontecendo atualmente é diferente, muitas pessoas estão vivendo essa fase de incerteza por longos períodos, muitos meses ou mesmo anos. As pessoas que buscam um relacionamento de situação querem o relacionamento, mas não o compromisso do namoro. É comum questionarem: “Para que definir o relacionamento? Está bom assim, não está?”.

E pode estar bom assim, se realmente estiver para os dois. O compromisso é uma escolha, e as pessoas podem escolher não fazê-lo. O problema é que muitas vezes não está bom assim para os dois, muitas vezes um quer “oficializar” a relação, mas acaba aceitando o situationship por medo de perder o companheiro ou mesmo por não compreender o que se quer, por não saber responder ao questionamento: “Para que definir o relacionamento?”. Sem encontrar uma resposta aceitável, a pessoa acaba aceitando o que não quer.

Desafio-me, então, a responder o questionamento. No entanto, para respondê-lo, parece-me importante responder a um anterior: O compromisso é importante? Está se tornando frequente, na juventude contemporânea, o comportamento de não querer firmar compromissos para ter mais liberdade de experienciar a vida, sem muitas restrições. É como se o compromisso limitasse a experiência de viver. E isso é verdade. O compromisso, quando cumprido, impede a pessoa de viver certas experiências que se deseja. Contudo, considero um problema a não percepção do seu oposto, ou seja, o compromisso também cria experiências novas. A experiência de se conectar com o outro, de confiar no outro, de sentir intimidade, de estabelecer um pacto de aliança cria uma experiência nova de se relacionar com o outro. É uma forma diferente de criar uma experiência nova. Então, o compromisso não pode ser visto como uma experiência limitante, porque assim como o compromisso impede certas experiências, a sua ausência também as impede. A juventude avessa ao compromisso pode querer tudo, consumir e viver tudo, mas isso não é possível. Quando se faz uma escolha, renuncia-se às outras.

A aversão ao compromisso aparece também porque as pessoas não querem “dar satisfação” à sociedade. “Não me importo com o que as pessoas pensam sobre nós, ou sobre mim”, podem dizer. O compromisso do namoro se firma tanto com o companheiro quanto com a sociedade.

Quando se define o relacionamento como um namoro, por exemplo, o casal estabelece um pacto entre eles e entre eles e a sociedade (incluindo as suas famílias e amigos), ou seja, estão dizendo para todos que eles são um casal, que querem ser tratados como um casal (estando em um namoro, a pessoa espera que o seu namorado ou namorada seja também convidado para os encontros com amigos e família, por exemplo). As pessoas avessas ao compromisso podem não se importar com o que os outros pensam, por isso não querem dizer para todos o status do seu relacionamento.

Não se importar com o que os outros pensam pode parecer um comportamento maduro, a libertação de uma prisão social. Contudo, isso pode ser um problema. Nós vivemos em sociedade e precisamos uns dos outros. Firmar um compromisso com a sociedade, especialmente com os nossos amigos e familiares, estabelece uma forma previsível de se relacionar, pois regras implícitas são automaticamente estabelecidas. Assim, espera-se que o namorado ou namorada seja também convidado para os encontros sociais, que seja tratado com a definição de namorado ou namorada, que se dê um “voto de confiança” para essa pessoa, que não o exclua (pois isso significa o excluir também), entre outras regras de relação. Em resumo, que não se trate a pessoa como uma completa estranha. Importar-se com a opinião dos outros, quando não de forma exagerada, pode ser importante para estabelecer relações sociais saudáveis e com mais previsibilidade.

Mas “para que definir o relacionamento?”. Define-se para estabelecer as regras de relação entre o casal e entre o casal e a sociedade. A definição produz previsibilidade, você sabe o que esperar do outro quando se define o tipo de relação. Se um amigo não te convida para a sua festa de aniversário, você pode começar a questionar a definição de “amigo” para essa pessoa. Se você adoece, você espera que o seu namorado ou namorada cuide de você. Estabelece-se uma previsibilidade. Essa previsibilidade pode conter preconceitos, certamente. Somos capazes de produzir novos tipos de amizades ou de namoros, e isso é bom. Não precisamos nos comportar como nossas famílias ou a sociedade como um todo espera de nós. A coragem de ser livre é uma qualidade necessária. As regras de relação de uma amizade ou de um namoro em particular, por exemplo, podem ser diferentes em pessoas diferentes. Contudo, ainda reconhecemos as relações pelos nomes que damos a elas.

A ausência de uma definição clara sobre o status do relacionamento costuma produzir um ambiente de incerteza e insegurança. Quando não existe sofrimento, quando o casal não sente a angústia da liberdade excessiva, não existe um problema. Entretanto, geralmente apenas uma pessoa se sente segura, a que menos se apega. Cria-se assim uma cultura que valoriza não se apegar aos outros, ou não confiar nas pessoas. Amar pode se tornar uma “crença limitante” (expressão que se costuma usar atualmente). A autossuficiência pode se tornar o ideal, em oposição ao cuidado com o bem estar do outro e com o que se denomina responsabilidade afetiva. Assim, a solidão aparece como uma sombra sempre presente. Nós precisamos nos apegar aos outros, confiar nas pessoas, cuidar delas; em resumo, amar. Esses são comportamentos fundamentais para a saúde mental do ser humano e para a vida em sociedade. Dar nome ao relacionamento é uma forma de produzir um pouco mais de certeza e segurança em um mundo naturalmente instável.


 

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal. Contato: (37) 9.9924-2528

 

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