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Seu Armando, maquinista | Artigo

Foto: Ilustração/Reprodução da Internet

Buscaram o Armando e a dona Nêga no Capoeirão, após visita aos familiares lá perto da quadra, aproveitando o feriado do Dia dos Mortos. Poucos dias como este, os filhos estão todos em descanso e assim a dona Nêga aproveita para reuni-los, almoçando juntos e aproveitando para colocar as novidades da família em dia.

Seu Armando é um negro forte, no alto dos seus 80 anos muito bem vividos, nos quais trabalhou sempre em meio aos trens de ferro por todo o país, até aposentar-se na RFFSA, na cidade de Campos Altos, onde morou boa parte dos seus dias, ao lado da dona Nêga e seus filhos, alguns netos atualmente.

Contou-me das dificuldades do passado e como era difícil trabalhar nos trens de antigamente: materiais de má qualidade, dormentes em desalinho, de pouca consistência, trilhos mal forjados que ao passar o trem fazia com que houvesse trepidação nos vagões, a ponto de necessitar parar o trem ou diminuir-lhe a sua velocidade quase que por completo, a fim de evitar descarrilamento. Eram muitas as estações, mas quase todas em péssimo estado de conservação, o que lhe causava imensa tristeza e desânimo.

Disse-me que só não deixou a profissão por causa da promessa do Engenheiro Menezes em muda-lo de função. Entre risos e xingamentos, disse ele que o tal Menezes enrolou-o com essa história mais de 10 anos.

Um dia, no meio da ponte de ferro na cidade de Iguatama, mais precisamente nas proximidades de Garças de Minas onde existia todo um complexo ferroviário, com oficina, mercados, estação com pousada, restaurante, bar, café e casa de ferragens, disse então que passaram, ele e o Menezes por um ou dois mourões de madeira, alinhando-os a fim de sustentar dormentes que estavam muito ruins, carunchados, mas não podiam ser removidos sem antes pararem os trens por dois dias, ou até mesmo três.

Por causa da safra farta de milho e feijão, bem como o anúncio por parte do Governo Federal em aumentar o subsídio da soja, do trigo, arroz e batata, com o advento do Pró-Álcool, os trens estavam sendo muito requisitados para transportar a safra até os grandes centros e os portos, escoando a produção.

Foi um tempo de muita chuva e os caminhões rodavam pouco e devagar, a fim de evitar acidentes, atrasando e muito o escoamento dos produtos agrícolas já citados.

O Rio São Francisco passava majestoso por baixo desta ponte, altaneira, enorme, pujante na paisagem. Era época de cheia, nas proximidades das “Águas de Março”, ao fim de Fevereiro e o São Francisco estava deveras cheio, quase a jogar água aos barrancos, para fora deles.

Então, duas horas da tarde, quase a pararem do serviço, com ele quase realizado por completo, faltando apenas bater os guilhões nas barras inferiores dos trilhos e ajustá-los para receber os parafusos e tachões, resolveu então falar ao Menezes acerca da mudança de cargo.   Lembrando que já haviam se passado quase dez anos que o Menezes vinha a falar ao seu Armando sobre a tal mudança de cargo, sempre regada a café forte, bem coado (mancebo), queijo e rapadura a servir a mesa do engenheiro.

Menezes, olhando o seu Armando de alto a baixo, seu uniforme envelhecido mas completamente limpo e bem passado, no alto de seus quase dois metros de altura por um e meio de largura, colocando a mão no queixo e olhando para a água do rio abaixo dele, perguntou ao Armando qual o tipo de serviço que ele gostaria então de fazer.

Seu Armando disse que um poucos dias de instrução poderia ser um “Mestre de Caminhos” (Agente de Estação) e talvez com um pouco mais de tempo, um “Agente de Máquinas” (Maquinista).

Menezes, fitando novamente o seu Armando, com uma marreta de 20 kg nas mãos, batendo os guilhões e afundando os tachões nos dormentes com três ou quatro golpes no máximo (alguns funcionários gastavam a manhã toda para bater seis ou oito tachões, os quais eram colocados pelo seu Armando em menos de uma hora), prometeu Seu Armando de leva-lo a Campos Altos para o treinamento, o que após faria dele um Maquinista.

Dali a poucos dias foi chamado na cidade de Campos Altos e devido sua dedicação, em pouco tempo mesmo, apesar da pouca instrução escolar, pode então conquistar o cargo o qual desejava.

Uma vez, duas ou três no máximo, encontrou o Menezes em Campos Altos. Depois disso, disse ele, que nunca mais viu este engenheiro, o que lhe ofertou de forma “espontânea”, a promoção de cargo para o Seu Armando (risos fartos e em alto volume). Histórias que o povo conta…

Isaías Santos – autor
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