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Artigo: Esperando

Jornalista, Professor Universitário, Escritor. Blog: www.julianoazevedo.blogspot.com.br Twitter e Facebook: @julianoazevedo E-mail: [email protected] Instagram: @julianoazevedo / @ondeeobanheiro

O ponto de ônibus estava vazio, um sinal indicando que eu havia perdido o coletivo daquele horário. Passaria uns vinte minutos em pé aguardando o próximo, preocupado com outro atraso: a chegada em uma reunião importante. Sem nada para fazer, com medo de ser roubado caso me arriscasse a usar o celular, comecei a observar o cenário. Poucos carros transitando, folhas amareladas colorindo a calçada, a rua, os telhados, caindo lentamente com o rigor do inverno. Havia muita folha, quase não se via a cor abafada do asfalto e do cimento. Com a delicadeza da natureza, aquele momento passaria sem o mau-humor da perda do busão. A calmaria sumiu com o barulho de uma vassoura frenética.

Parecia uma arma em ação, tamanha a força em que era arrastada no chão. Uma senhora, dona da residência em frente ao ponto de ônibus, estava enfurecida só pelo jeito que limpava a varanda. Os fios de piaçava arrancavam mais que sujeira. A mulher empurrava um bolo de papel misturado com guimbas, cascas de laranja, pétalas. Da escada, espalhou a bagunça pelo passeio, formando um grande lixo com o que já havia na beirada do meio-fio. Silencioso, fiquei curioso para saber o destino daquilo tudo.

Na mente, imaginei uma enchente carregando lama e aquela imundice morro abaixo. Em outra cena, vi o entulho entupindo os bueiros, o aguaceiro invadindo a vizinhança, os eletrodomésticos sendo carregados pela violência de uma chuva. A frase no jornal com a moradora sofrida chorando a perda de tudo que possuía. Ansiei pela chegada dos garis, para que recolhessem a indelicadeza daqueles que desconhecem o objeto chamado lixeira.

Pedi aos céus para que não deixasse o ônibus chegar, pois gostaria de ver até onde iria a ousadia daquela faxina. A mulher varreu o pedaço da calçada que ocupava o comprimento de sua casa. E só. Recolheu com a vassoura as folhas caídas na rua, juntando-as em um montinho em frente à casa vizinha, quando uma conhecida a abordou dizendo: “está ocupada comadre?”. Antes de a frase ganhar a interrogação, começou a ladainha de lamúrias. “Todo dia é isso. Um monte de resto na minha porta. Vivo para ficar varrendo. Tem um homem que chupa laranja e joga até a semente na minha varanda. Aqui tem garrafa, caixa de isopor de sanduíche, chicletes grudados na parede. Já encontrei sucata de computador, recentemente”. Contrariada, despejou na amiga todo o lixo mental. E encerrou o diálogo culpando o mundo: “O povo é muito mal-educado. Gente sem modos, sem berço. Parecem filhos de porcos”. A ouvinte se foi, apressada.

O ponto de ônibus continuava vazio. Contudo, eu estava cheio de rancor e de indignação. Incomodado com a incoerência e com a injustiça que foi cometida naqueles quinze minutos solitários em que fiquei observando o cotidiano de um bairro que é considerado acima da média, como um bom local para se viver em harmonia.

A mulher sumiu pelo corredor da casa, não colocou o nariz de volta na rua. Ainda esperei mais longos minutos até à chegada do veículo de transporte. Ela deixou o lixo acumulado no portão do vizinho, sem cerimônia. Acreditei que a reclamona voltaria com um saco plástico para recolher o que juntou sem esconder o crime debaixo do tapete. Escutei o som de água de mangueira. Agora, meu coração doeu mais. A senhora “certinha” estava varrendo o resto do lixo que sobrou com o precioso líquido, que tanto está fazendo falta ao mundo. Subindo no ônibus quase gritei: “pimenta nos olhos do vizinho pode, não é mesmo?”. Realmente, para a falta de educação não há limites. Nem paciência.

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