‘Como fazer uma família reconstituída dar certo’
A família reconstituída enfrenta ainda mais desafios que a primeira. Como fazer dar certo?
Rodrigo Tavares Mendonça
Viver em família é a causa das maiores felicidades e infelicidades das vidas das pessoas. A família é a base da nossa sociedade. Todos nós nascemos no seio de uma família e aqueles entre nós que não tiveram essa oportunidade geralmente vivem em relativa exclusão da sociedade, pois ela é constituída por núcleos familiares. Contudo, já é difícil fazer a família constituída pela primeira vez funcionar bem. A família reconstituída enfrenta ainda mais desafios que a primeira. Como fazer dar certo? Neste texto, descrevo os principais desafios desse tipo de família.
O primeiro deles é integrar os novos membros na unidade familiar. A família é uma unidade e todos os seus membros funcionam como engrenagens em um sistema, o que significa que o que acontece com um afeta o outro. Assim, a família reconstituída precisa constituir uma unidade na qual todos os membros se reconheçam como uma família; em outras palavras, como um sistema. Na clínica, uma vez atendi uma família reconstituída na qual a mulher e o homem tinham um filho dos casamentos anteriores. Para evitar conflitos, na visão deles, eles
acordaram que ela educaria o filho dela e ele, o dele. Obviamente, o resultado foi o fracasso, os conflitos entre os filhos, entre os cônjuges e os enteados e entre o casal apenas cresceram. Não eram uma família, eram um casal e duas famílias vivendo em uma mesma casa feita de areia.
O segundo desafio é a definição de fronteiras entre os pais biológicos, uma separação entre as famílias do pai e da mãe. Quando essa separação não existe, os pais competem entre si sobre a forma certa de cuidar e educar, um podendo interferir na forma do outro. Se não há negligência ou violência suficientes para justificar uma intervenção estatal, os pais precisam aprender a respeitar a forma de cuidar e educar do outro, mesmo na discordância. É preciso aceitar que não se pode moldar ou controlar o pensamento, sentimento ou comportamento do outro.
O terceiro desafio é o conflito de lealdades. É comum os filhos verem o recasamento como uma traição e se posicionarem em oposição ao padrasto ou madrasta; não raro se forma uma coalizão dos filhos e do pai separado contra o novo membro familiar. Essa lealdade invisível pode impedir que se forme a necessária unidade familiar. Assim, um desafio para o padrasto ou madrasta é não ocupar o papel de pai ou mãe, ou seja, o papel de disciplinador, e, ao mesmo tempo, posicionar-se como adulto que precisa ser respeitado e apoiar o enteado ou enteada. Desistir de cuidar, como vimos, não é o caminho adequado. Alcançar o equilíbrio é uma conquista necessária.
O quarto desafio se refere ao poder ou autoridade no novo núcleo familiar. Quem manda na casa? A mulher que se acostumou a viver sozinha ou que sofreu com abusos de autoridade do antigo marido pode se mostrar resistente a aceitar a autoridade do atual. O homem pode acreditar que é seu papel exercer o poder e se sentir desrespeitado pela nova esposa ou enteados. Outras configurações de conflitos também são possíveis, esses são apenas exemplos comuns. Adequar o exercício da autoridade na nova família se faz tão necessário quanto na primeira, embora na reconstituída os traumas dos primeiros relacionamentos tornam esse desafio ainda mais complexo.
Fechar o ciclo anterior antes de começar um novo é também uma atitude necessária. Problemas não resolvidos ou sentimentos ocultos pelo ex-cônjuge podem gerar competitividade entre eles, ataques conscientes ou inconscientes. Muitas vezes os filhos são usados para atacar o ex-cônjuge, sob o disfarce de preocupação com sua saúde ou educação. Assim, disputas sobre quem fica com as crianças no feriado e o que pode ou não ser feito com elas podem ser uma atualização inconsciente de conflitos emocionais não resolvidos.
Por tudo isso que se faz necessário que o novo casal constitua um vínculo sólido e desenvolva uma relação saudável com os filhos e enteados. É comum que recasamentos terminem por causa de problemas envolvendo filhos e enteados, mesmo existindo amor entre o casal. Conseguir equilibrar todas essas variáveis é um desafio que pode fazer com que a nova família seja realmente uma unidade familiar que facilite a felicidade de seus membros, tanto
dos antigos quanto dos novos.
Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal