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Artigo de Opinião: O Mundo está mesmo piorando?

Em uma conversa casual, na sala de espera de um médico, por exemplo, se você disser para a
pessoa ao lado que o mundo hoje em dia está muito ruim, que as pessoas estão ruins, que está
difícil demais cuidar dos filhos, acredito que ela provavelmente concordará. Assim, mesmo
que a pessoa não esteja acostumada a reclamar da vida, possivelmente se iniciará uma
conversa sobre como os criminosos andam soltos pelas ruas, como está perigoso andar pela
cidade à noite, se dirá que mesmo durante o dia eles estão assaltando as casas, que se morre
hoje à troco de nada, que as pessoas hoje em dia perderam o respeito e os valores.

Essas atitudes cotidianas me mostram que está no senso comum a crença de que o mundo está
piorando. Neste artigo, avalio essa crença. Será mesmo que o mundo está piorando?
A crença de que o mundo está piorando costuma ser produzida no campo emocional da
nostalgia, que é um sentimento de melancolia provocado pela lembrança de alegrias passadas.
As pessoas que dizem que o mundo hoje em dia está muito ruim vão lembrar – ou imaginar,
porque a nostalgia pode existir não pela lembrança, mas pela imaginação de tempos bons
passados – que no passado as coisas eram muito melhores, provavelmente vão dizer que no
passado não existia tanta violência, tanta corrupção, tantos maus-tratos, que as pessoas
tinham mais valores. Mas novamente eu pergunto: será mesmo? Será mesmo que no passado
o mundo era melhor?

Para apresentar meus argumentos, primeiro abordo as conclusões do psicólogo canadense
Steven Pinker, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Em seguida, mostro
as consequências psicológicas da crença de que o mundo está piorando, baseando-me na
minha experiência clínica.

Após extensa pesquisa científica, Pinker concluiu que o ser humano está se tornando menos
violento com o passar do tempo. Segundo ele, a violência tem diminuído gradualmente desde
o início da nossa história evolutiva, há milhares de anos, quando ainda vivíamos como
nômades em sociedades coletoras-caçadoras. Embora essa conclusão contrarie a percepção
popular sobre os índices de violência, ele cita estudos antropológicos que mostram que em
sociedades primitivas, como em tribos da Amazônia e da Nova Guiné, a taxa de mortalidade
por assassinato era até quatro vezes maior do que a existente hoje nos Estados Unidos e na
Europa.

Esses dados perturbam ainda a crença de que os povos primitivos viviam com mais
harmonia. Um pouco mais à frente no tempo, na idade média, pesquisadores estimam que a
taxa de mortalidade por assassinato era de 100 pessoas por ano para 100 mil habitantes. Hoje,
vários países europeus registram a taxa de uma pessoa assassinada por ano para os mesmos
100 mil habitantes. E mais um número interessante: após as duas guerras mundiais no século
passado, a taxa de mortalidade em guerras também diminuiu: em 1950, morreram 65 mil
pessoas; em 2005, o número caiu para duas mil.

Não foi apenas a taxa de mortalidade por assassinatos que diminuiu ao longo da história da
humanidade, a crueldade desses assassinatos também foi reduzida. No tempo de Jesus Cristo,
conforme aponta a bíblia, crimes como homossexualidade, adultério e contestar os pais
podiam ser punidos com a pena de morte. A crucificação, como sabemos bem, hoje
considerada inaceitável até para o pior dos criminosos, era uma prática comum. E há poucos
séculos a mutilação (cortar a língua, arrancar as orelhas, furar os olhos e amputar as mãos)
era uma forma de punição em várias sociedades ao redor do mundo.

Além disso, algumas formas de punição eram um espetáculo para o público, e isso acontecia
não apenas para servir de exemplo, como se pode pensar, mas como entretenimento. As
pessoas gostavam de ver uma pessoa sendo crucificada, queimada na fogueira ou
esquartejada por cavalos. Se hoje muitas pessoas consideram as lutas de MMA uma violência
exagerada, podemos lembrar que no império romano as pessoas se divertiam vendo outras
lutarem até a morte. Por fim, cito que a escravidão, hoje ilegal em todos os países civilizados,
era aceita e praticada pelos cidadãos de bem da época.

Penso que esses argumentos são suficientes para mostrar que a taxa de mortalidade por
assassinatos e a crueldade desses assassinatos têm diminuído com o passar do tempo. Em
outras palavras, a violência está cada vez menos frequente e desumana. Pinker aponta que um
dos principais motivos para as pessoas acreditarem no inverso está na maior circulação da
informação. Atualmente, violências acontecidas em todos os cantos do mundo chegam em
nós via televisão ou internet. E mesmo sem uma cobertura jornalística profissional, uma
pessoa com um celular consegue gravar um caso de violência que pode viralizar em todo o
planeta. Essa grande quantidade de informação produz em nós a percepção de que a violência
está aumentando. Contudo, se olharmos os números, concluiremos que a violência humana
está diminuindo ao longo da história. Não mais aceitamos que crueldades aconteçam com
ninguém. Cada passo à frente para a civilização é um passo atrás para a barbárie.

Agora que você está convencido do declínio histórico da violência, como espero, permita-me
avaliar as consequências psicológicas negativas da crença de que o mundo está muito ruim ou
perigoso. Recebo diariamente no consultório pessoas sofrendo com sintomas de ansiedade,
apresentando medo de sair de casa, de ficar sozinho, de confiar nas pessoas, de se entregar
em um relacionamento amoroso, de não conseguir o trabalho sonhado, entre inúmeros outros.
A ansiedade é uma reação natural do nosso organismo produzida no campo emocional do
medo. Entramos em um estado de ansiedade quando sentimos medo. Na prática, o medo pode
ser conhecido e pontual, como o medo de fazer uma prova, ou desconhecido e contínuo,
como o medo de não agradar aos pais. Regra básica: quanto mais medo contínuo uma pessoa
tem mais ansiedade contínua ela apresenta.

A crença de que o mundo está muito ruim ou perigoso, que na verdade é uma crença de que
as pessoas hoje em dia estão muito ruins e perigosas, produz medo. As pessoas passam a
sentir medo de se relacionar com pessoas estranhas, a desconfiar de todos, assim restringindo
o seu círculo relacional aos familiares. Passam a não se entregar em um relacionamento
amoroso por medo de se decepcionar. Acredito que tão comum quanto as pessoas que se
decepcionam em relacionamentos amorosos são aquelas que não conseguem se entregar
porque têm um medo excessivo. Passam a sentir medo de se entregarem também em relações
de amizade, acreditando que ninguém merece confiança. Podem sentir medo de estarem,
saírem ou viajarem sozinhas, pois encontrar pessoas estranhas pode ser perigoso. Sentem
medo de deixar os seus filhos se relacionarem de forma íntima com coleguinhas, porque não
se pode confiar nas outras famílias hoje em dia.

Assim, aprendem a acreditar que são incapazes de lidar com esse mundo ruim e perigoso, desenvolvendo uma autoestima e autoconfiança baixas. Nesse cenário, vivem no meio de milhares ou milhões de pessoas,
porém se fecham em pequenos círculos por medo. Resultado: a vida se torna pequena, as relações humanas, pobres, e o medo, o principal guia da pessoa.

Penso que temos elementos suficientes para acreditar, na verdade, que o mundo está
melhorando, que está bom, que as pessoas são boas. Como sabemos, nosso olhar para o
mundo constrói o mundo, o nosso mundo. Então, apesar de ainda se fazer necessário lutar
contra todas as formas de violência, nutrir o nosso olhar de beleza e confiança produz um
mundo mais belo e melhor.

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal

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