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Artigo de opinião: A inaceitável ausência do pai

Foto: (Freepik/Reprodução)
Rodrigo Tavares Mendonça

Refletir sobre a importância da presença paterna na vida dos filhos, especialmente na dos
meninos, é um tema complexo, que muitas vezes pode reforçar os preconceitos sociais ou os
padrões de comportamento tradicionalmente exercidos pelo homem e pela mulher. Pessoas,
inclusive cientistas, dizem frequentemente que o pai é fundamental para impor limites e
evitar a costumeira superproteção materna, como se a mulher fosse uma espécie de “monstro”
sempre pronta para “engolir” os filhos e, por isso, necessitada da intervenção salvadora
paterna. Diz-se que sem o pai a criança cresce sem limites, como se a mulher precisasse da
força masculina para estabelecer as regras da casa e da vida. Quero mostrar que essas duas
narrativas são inadequadas.

Pretendo não reforçar os padrões culturais tradicionais da função paterna, porém sem
negligenciar a importância dessa função. Pelo contrário, meu objetivo aqui é mostrar a
importância da presença paterna. E busco não reforçar os padrões culturais justamente por
sua característica definidora: são culturais. E a cultura muda. Apegar-se aos padrões
tradicionalmente estabelecidos significa resistir às mudanças que naturalmente acontecem na
vida e na sociedade.

A motivação para este artigo surgiu a partir da história de um menino de apenas 10 anos de
idade que vivencia a ausência paterna. Enfatizo que ele sente falta do amor do pai, não da sua
autoridade. Ele não apresenta problemas de ajustamento, como resistência a obedecer as
regras maternas. Na verdade, ele ajuda a mãe a cuidar da casa e do irmão mais novo, pois ela
precisa sair para trabalhar. Antes de construir a função paterna neste artigo, quero primeiro
desconstruí-la: a autoridade, elemento absolutamente necessário na educação de crianças,
realiza-se pelos adultos, não pelo homem, e somente foi associada ao papel masculino por
causa da nossa cultura patriarcal – historicamente, o homem ocupou posições sociais
superiores em poder. Essa distinção é importante para, além de fazer justiça ao papel
feminino, libertar o pai da exigência de priorizar a função, muitas vezes ingrata, de impor
limites. Pressionado culturalmente, o pai pode pensar que para exercer sua função precisa
educar com rigidez. Assim, corre o risco de se esquecer de brincar e de amar. A pior
consequência dessa pressão cultural é reforçar no pai o pensamento de que se ele não
consegue exercer a função de impor limites, muitas vezes dificultada inclusive pela ausência
física, nos casos de separação conjugal, então perdeu a sua utilidade e, por isso, pode se
afastar da criança.

A criança citada acima desenvolveu um transtorno de ansiedade associado com compulsão
alimentar. A ansiedade surge da saudade. Em outras palavras, da lembrança nostálgica das
atividades que fazia com o pai, da expectativa de ir para a sua casa no fim de semana, da
tristeza por perceber que o pai quase não o procura e que, mesmo quando está em sua casa,
recebe pouca atenção dele. A ausência paterna nesse caso concreto, em vez de ter como
consequência a desobediência, afeta especialmente o humor da criança. Além disso,
futuramente pode afetar a sua autoestima. Sem conseguir pensar racionalmente, a criança
pode imaginar que a culpa é dela, e assim se tornar vulnerável a desenvolver um senso de
inferioridade. Na ausência da culpa, o sentimento predominante pode ser a raiva, que a deixa
vulnerável a desenvolver comportamentos de risco, como o uso abusivo de drogas e o
envolvimento com a criminalidade.

A ausência paterna tem seu efeito também no modelo de referência de homem, marido e pai.
Inicialmente, os filhos tendem a imitar os pais, a querer ser como eles. Somente após
construir na infância a estrutura de referência paterna ele começa, na adolescência, o processo
de desconstrução para, em seguida, reconstruir novos modelos de masculinidade. A ausência
do pai pode ser para a criança ou adolescente a presença de um modelo insuficiente. Assim,
na falta do pai, faz-se essencial a presença de outros modelos de masculinidade para orientar
o caminho do menino em direção ao homem. Os homens da família extensa dessa criança ou
adolescente recebem a importante responsabilidade de exercer essa função.

As famílias reconstituídas costumam cometer um erro grave: desvalorizar a presença do
padrasto na vida dos enteados. Frequentemente os padrastos se envolvem pouco no cuidado e
na educação dos enteados, muitas vezes por medo de não serem respeitados, para evitar
conflitos com o pai biológico ou para não desafiarem a autoridade da mãe. Independente do
motivo, o efeito é negativo: além de não contribuir suficientemente com as funções de cuidar
e educar, sobrecarregando a mãe, o padrasto meio ausente pode se tornar um modelo
insuficiente de masculinidade, perdendo a capacidade de orientar o enteado e ser para ele um
bom modelo de referência. “Talvez a herança mais valiosa que possamos deixar aos nossos
filhos seja uma boa autoimagem”, disse o médico Malcolm Montgomery.

Quero agora apresentar e discutir os resultados de muitos estudos sobre a ausência paterna.
Com base em pesquisas científicas, Montgomery afirma que crianças sem pai presente têm
duas vezes mais chances de repetir o ano escolar e 11 vezes mais chances de apresentar
comportamento violento. E muitas outras pesquisas reforçam que crianças sem pai tem mais
chances de desenvolver comportamentos de risco. A pediatra Melissa Wake concluiu que a
falta do pai contribui para a obesidade das crianças entre 4 e 5 anos. Provavelmente essa
associação se deve ao desenvolvimento de ansiedade nas crianças, embora seja comum
acreditar que a causa esteja na não imposição de limites pelo pai. A pedido do jornal O
Tempo, o Centro Socioeducativo Santa Clara, em Belo Horizonte, mostrou que 69% dos
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas não tinham o pai presente.
Acredito que números semelhantes serão encontrados nos presídios do país.

Esses dados mostram claramente a importância do pai no desenvolvimento dos filhos. Porém
reforçam em muitas pessoas, inclusive cientistas, o pensamento de que o pai é fundamental
para a imposição de limites, especialmente por causa da associação entre comportamento de
risco e ausência paterna. Contudo, quero apresentar aqui uma interpretação que desconstrói
esse pensamento, que é fruto de um preconceito social. Primeiro, vamos aos papéis culturais.
Tradicionalmente, os homens aprendem que o lugar deles é no mundo e o das mulheres, em
casa, embora a realidade mostre que a grande maioria das mães solteiras trabalham fora de
casa para sustentar a família. Todavia, o importante é o seguinte: os adolescentes homens
vivem prioritariamente no mundo, envolvendo-se mais em comportamentos de risco,
enquanto as adolescentes mulheres priorizam a casa e o cuidado dos irmãos. Ainda nos
papéis culturais: o homem aprende a mandar desde a infância. Como as pesquisas mostram, a
ausência do pai está realmente associada à não imposição de limites. Contudo, essa
associação acontece por causa das diferenças culturais, não pela diferença biológica entre
homem e mulher. Por isso é perfeitamente possível que uma mãe solteira consiga educar os
filhos colocando suficientemente os limites necessários.

Uma terceira variável que afeta negativamente a capacidade das mães de colocar limites é a
sobrecarga de tarefas causada pela ausência paterna. A falta do pai força a mãe a trabalhar
mais tempo fora de casa e, quando em casa, a fazer os serviços domésticos. Quando com
muitos filhos, a mãe precisa dar mais atenção aos mais novos, deixando os mais velhos mais
“soltos” do que deveria. Em resumo, a ausência do pai costuma provocar também uma
ausência relativa da mãe, que passa a ter menos tempo para se dedicar aos filhos. Assim, as
crianças são criadas pelos avós, que frequentemente não sabem colocar limites, ou por outras
pessoas com a mesma incapacidade. Além disso, a própria ausência relativa da mãe diminui a
sua autoridade sobre os filhos. Então, a ausência do pai modifica a estrutura familiar, muitas
vezes provocando prejuízos que vão além da sua simples ausência.

Para encerrar, quero concluir que esta “cruzada” contra o papel tradicional do pai de colocar
limites, em vez de diminuir a sua importância, amplia-a e a reforça. O pai, mais do que
colocar limites, tem a função de cuidar, dar carinho e amor, e de ser um bom modelo de
referência para o filho. Exercer essas funções reforça a sua autoridade. Um problema comum
aparece quando o pai ausente tenta se tornar presente pela imposição de limites. Essa
tentativa somente afasta os filhos. E mais ainda do que ser referência para o filho, o pai deve
ser uma boa referência para a filha, que precisa de um bom modelo de masculinidade para
construir relacionamentos amorosos saudáveis, não abusivos.

As diferenças biológicas entre homem e mulher não necessariamente precisam refletir uma
diferença cultural nos papéis de pai e mãe. Essa percepção, além de libertar o pai da função
única de educar com rigidez, liberta a mãe de pensar que seu filho terá um desenvolvimento
insuficiente sem a presença paterna. O pai é fundamental, contudo na sua ausência o padrasto
ou outro familiar homem pode – e deve – exercer as funções paternas de cuidar, educar e ser
um modelo de referência. Por isso, pais, mais do que se preocupar em ser a autoridade para
seus filhos, busquem ser um bom modelo de referência para eles, sempre respeitando, claro, a
personalidade própria de cada um.

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal.

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