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Estudante e músico, Helder Clério é o novo colunista do Portal TV Cidade

Helder Clério é estudante de Psicologia, músico e lagopratense nas horas vagas. Seus despretensiosos textos, se pode-se dizer que têm algum objetivo ou intenção, seria a de estimular alguma reflexão naquele que os lê.
Quanto ao ofício de escritor, escrevedor ou escrevente, Helder diz gostar muito de escrever com penas e tinteiro, já que as canetas são muito simplórias e os lápis precisam ser apontados de tempos em tempos, o que toma muito de seu tempo e energia.

O Poeta, o Louco, o Mendigo e o Capitalismo

Acordei pensando em mudança, enxergando cores novas com a mente. Acordei insatisfeito com a pobreza dessa vida de consumo que se leva em nossos dias, essa vida de falsa abundância e exuberância. Às vezes, de tão profunda e sutil, chego a pensar que não há saída possível para a dominação da ideologia capitalista sobre nossas vidas.

Porém, refletindo bastante sobre o tema, cheguei à conclusão de que há três figuras que escapam, cada uma a seu modo, dessa dominação mental-corporal-espiritual do consumismo do nosso tempo: o poeta, o mendigo e o louco. Tentarei aqui explicar de que forma cada um escapa do discurso consumista.

Pt. 1 – O Poeta: rebelde da linguagem

Uma das mais profundas e sutis formas de dominação exercidas pelo poder é a dominação pela linguagem. De tão acostumados que estamos com o discurso do consumo, pensamos, falamos e até sentimos de acordo com os padrões de linguagem dos filmes, dos comerciais, das novelas, dos livros, etc. Nós somos tão sufocados por palavras, frases e ideias de outros que não encontramos espaço para criarmos as nossas próprias palavras, frases e ideias!

E é justamente aí que o poeta é um revolucionário: ele é um criador. Ele não reproduz, ele produz. Ele se inventa e inventa sua própria linguagem. É um “inventador”.

Perdoai, mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.” (Manoel de Barros)

Só pra deixar claro, aquele que aqui chamo de poeta não é, necessariamente, alguém que escreva poesias, publique livros e coisas do tipo. Poeta é todo aquele que tenta inventar sua própria língua, que brinca com as palavras, e que, acima de tudo, é um inventador ao invés de ser um mero repetidor.

Então, quando o caipira nos diz pra “botar reparo” em alguma coisa, ele é poeta, porque “reparo” (atenção) não é objeto ou algo que se pegue, que possa se colocar em algum lugar, como se coloca uma xícara ou uma caneta. E quando a noite chega e a criança pergunta: “mãe, o sol foi dormir?”, ela também é poeta, esteja consciente disso ou não, porque ela está brincando com as palavras, inventando coisas novas.

Penso que o poeta tem uma semente de coisa nova dentro dele. Ele tem potência criativa, e eu acho que isso é fundamental pra qualquer projeto de mudança: ter capacidade de abstração, pensar em outros mundos, parir ideias e sensações inéditas e criativas.

Agora pensemos no capitalismo. Há quem diga que o capitalismo é o fim da história, que não há outra saída, não há outros mundos possíveis. Porém, a meu ver, esses pensamentos não passam de ideias de mentes já capturadas pelo discurso capitalista, cabeças pouco criativas. Vejam que coisa louca: nós conseguimos facilmente imaginar o fim da humanidade (bomba atômica, chuva de meteoros, esgotamento dos recursos naturais, aquecimento global, era do gelo, Apocalipse bíblico, etc.), mas não conseguimos imaginar o fim do capitalismo!

É aí também que o poeta nos serve de inspiração: assim como ele, precisamos saber inventar outros mundos. Se nos perguntam que mundo não queremos, sabemos facilmente responder. Mas a pergunta realmente difícil de ser respondida é: “que mundo queremos?”, ou “que outras formas de organização social podemos propor?”.

Conclusão/semente de ideia: “A poesia serve pra aumentar o mundo.”

Pt. 2 – O Louco: inventador de mundos e de coisas

O louco é um sujeito doido. Ele é aquele cujo pensamento passeia por outros caminhos, cujas ideias fazem atalhos pelo meio do mato. O louco não se contenta com as trilhas já feitas, ele inventa as dele.

E se pensarmos nessa ideologia massificada e massificante que toma conta do nosso tempo, não é justamente disso que estaríamos precisando hoje: Um pouco mais de loucura pra gente ter a audácia de inventar nossos caminhos, nossas coisas? Pois eu mesmo vos respondo: Sim, é disso que precisamos.

Pensemos nas dezenas de centenas de milhares de comerciais que invadem nossos olhos e ouvidos todos os dias, tentando nos convencer de que nossa vida vai estar mais completa se comprarmos esse ou aquele produto. Ora, o louco não é presa fácil de ser pega nesse tipo de arapuca do mercado. Seu desejo não é facilmente capturado pelo discurso capitalista, já que ele sempre inventa outros rumos pro seu desejo: rumos loucos, rumos próprios, rumos mais “seus”.

O louco não se contenta em tomar Coca-Cola: ele inventa uma fruta nova e faz um suco dela.

Só pra deixar claro, aquele que aqui chamo de louco não é necessariamente aquele sujeito diagnosticado pela psiquiatria como esquizofrênico, paranoico ou algo do tipo. Aquele que aqui chamo de louco é aquele sujeito que inventa seus próprios caminhos, que não deixa que seu desejo seja capturado pelo discurso hegemônico. Elogio de louco aquele que inventa mundos.

Conclusão/lembrete: “Precisamos de mais louquidão e poetismo pra pensar cores novas.”

Pt. 3 – O Mendigo: aquilo que sobra do sonho capitalista

Ora, pensemos: “o que é o mendigo aos olhos do capitalismo?”. Pois eu vos digo: ele é um resto, uma casca, aquilo que sobra. Ele não conta na conta dos empresários.

O gerente de marketing não pensa no mendigo quando vai criar um comercial novo. Ele está fora do discurso do consumo, pois não tem grana pra comprar o sonho capitalista. Que tipo de produto é fabricado para atender os desejos do mendigo? Nenhum, ora, pois ele não conta, está excluído do jogo.

Porém, diferente do poeta e do louco, ele não está fora da “fogueira das vaidades” capitalista porque quer. Ele é excluído desse jogo porque nesse jogo não cabem todos. Tem sempre uma parcela da população que não pode participar da brincadeira de produzir-ganhar-comprar: se essa colcha cobre o pescoço, descobre o pé!

Acho engraçado como certas pessoas criticam um mendigo, chamando-o de vagabundo, ou sem-serviço. Até parece que ele está nessa condição porque quer. Tem sempre alguém que diz: “Se ele quisesse mesmo mudar de vida não ficava pedindo esmola, podia juntar latinha, papelão…”. Sim, é possível sair da condição de morador de rua, há exemplos disso por aí, mas as coisas não são tão simples assim.

A questão é que há uma “mendicância estrutural”. Há um lugar social que precisa ser ocupado por alguém: o lugar do mendigo. Como eu já disse, não há espaço para todos no jogo do consumo, logo, sempre haverá alguém que estará no lugar social do mendigo. Ou seja, mesmo que o sujeito que te pediu grana na porta do banco ganhar na loteria e sair da mendicância, um outro vai estar na porta do banco te pedindo dinheiro na próxima semana, pois o sistema capitalista não está aí para atender as necessidades de todos. O capitalismo não serve ao povo, serve ao capital.

E não me venham com esse papo de que o mendigo pode mudar de vida porque todos somos capazes, e nossa vida está em nossas mãos, basta pensar positivo e blá blá blá. Não sejamos ingênuos: nem tudo é tão simples quanto dizem os livros de auto-ajuda. Há questões que são bem mais complexas, questões de ordem social e econômica, e a questão da mendicância é uma delas.

Por fim, gostaria apenas de ressaltar que, por que mais que pareça que o mendigo não tenha posse de nada, há algo que ele possui, mesmo sem saber: potencial revolucionário. Ele é um sujeito calejado, que tem mais motivos que qualquer um para exigir e produzir mudanças na sociedade. Ele é o sinal vivo de que mudanças precisam acontecer no horizonte capitalista.

Dúvida natalina: “Por que o Papai Noel não presenteia o mendigo? Será que ele não costuma ser um bom menino ou será que não há chaminé no olho da rua?”

 

 

 

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