fbpx
jc1140x200

Maverick, em 2022, 36 anos depois, refaz as boas graças e ainda entende o espírito do clássico, readaptando para hoje

Anota aí: confira a crítica de Luca Ramalho Rizzutti sobre Top Gun: Maverick, de Joseph Kosinski.

Luca Ramalho Rizzutti

 

O.k., é simplesmente maravilhoso como este novo filme honra muito bem o legado do filme de 1986… e traz um novo frescor para Top Gun, sendo um dos poucos filmes contemporâneos que têm a coragem de ousar na mesma medida. Desse modo, a tradição também se torna transgressão em “Top Gun: Maverick”.

É tão autoconsciente e autoindulgente de sua posição quanto uma carta de intenções pode ser, o que é interessante dado o que está no centro das atenções. Já está bem gasta a comparação com o filme anterior e não acho lá o melhor exercício a questão da qualidade (Top Gun, de Tony Scott, de 1986, é ótimo, ponto, e toda a cultura criada ao seu redor deriva de um roxy movie à la coming of age de bros homoeróticos, num abraço coletivo sobre a imagem que ele vendia a plenos pulmões, etc., enfim), mas o anteparo se torna importante a partir do momento que se percebe que tudo em Maverick também deriva de uma imagem já formalizada que busca agora ser divulgada. Se antes era tudo sobre o teor do homoerotismo na estética militar estadunidense, agora é tudo sobre Tom Cruise e os limites que ele pode trafegar nessa posição.

Fato é que o original foi um dos pilares do caminho de Tom Cruise ao estrelato hollywoodiano. E tudo isso, falando de aviões militares, com sua projeção fálica ali (é, isso mesmo!) e a ação do longa, na maior parte do tempo, ocorrendo em salas de aula (e não nos ares), com o herói galanteador envolvido em um bromance com seus amigos/colegas e com uma mulher mais velha (algo que pouco é levado em consideração pela trama) e um argumento mal elaborado e desenvolvido de modo displicente. Tem coisas, enfim, que não se explicam – apenas se aceitavam. E esta é uma delas. Porém, foram necessários quase quarenta anos, e eis que agora chega “Top Gun: Maverick”, uma improvável sequência que não só consegue (sem muito esforço, como se percebe) honrar com louvor o primeiro filme, como também reforça uma insuspeita complexidade em personagens carismáticos, ao mesmo tempo em que os coloca envolvidos em um contexto que, enfim, preza tanto pelo caráter de drama humano como pelas intrincadas e complexas sequências de ação.

Afinal, sabe-se que de modo geral, o cinema digital serviu menos para sondar novos limites pictóricos da arte do que para otimizar seu potencial fabril. Acontece, porém, que, às vezes, alguns cineastas conseguem se articular no perfeito equilíbrio entre forma e conteúdo, com sensibilidade e boa técnica.

No primeiro, havia mais tensão sexual entre o personagem do Tom Cruise e o de Val Kilmer do que entre o Cruise e a Kelly McGillis. Numa encarada entre eles em cena, só falta se pegarem em dentadas. Nesse sentido é que se diz que é “uma celebração masculina”, basicamente um dos, se não “o”, filme mais gay dos anos 1980. Parecem ser um bando de heterotops, mas, na verdade, não são. Pelo menos não é nem de longe bem isso. Aliás a personagem dela é basicamente colocada de lado pro espectador curtir unicamente o corpo do astro (seminu, inclusive). A dinâmica do afeto está muito mais entre os caras do que em qualquer outra coisa. Até os aviões, retomando isso, parece que é uma espécie de projeção fálica de poder que eles compartilham genuinamente entre si.

Imagina só filmar estes corpos atléticos com a mesma intensidade que se filma os caças, aeronaves de alta tecnologia tão distantes do nosso cotidiano. E ainda por cima, bezuntar tudo isso com uma iluminação impressionante na sua conciliação de luzes artificiais e naturais.

Aqui, Miles Teller, o Rooster (o rapaz que fez o protagonista de Whiplash, aquele com J.K. Simmons vivendo o professor carrasco e mais tóxico dos últimos vinte anos no Cinema) aparece de bigode, camisetinha havaiana e também toca “Great Balls of Fire” no piano do bar, bem como Anthony Edwards fazia como o seu pai. E agora é Glen Powell que vive o cadete loiro sem escrúpulos que antagoniza com o herói, como fazia Val Kilmer no inicial há 36 anos. A cena do vôlei de praia só é substituída agora por uma de futebol americano, também na areia. E agora Maverick tem que lidar com o peso de treinar o filho do antigo Goose, ao passo que precisa aguentar as implicações emocionais disso para ele e não arriscar a equipe numa missão que, a priori, parece impossível de ser executada e sair com vida.

Mas “Top Gun: Maverick”, de 2022, está o tempo todo dizendo ao público: sim, este é um “filme americano tradicional”, sobre a exaltação de todos os valores e virtudes tradicionais da sociedade estadunidense.

Mas não é uma simplista exaltação reacionária dessas tradições, como Clint Eastwood faz com seus filmes, e sim uma complexa disputa entre passado e presente, humano vs máquina. Especialmente porque o filme coloca esses valores em contradição o tempo todo, ainda mais na retratação da figura do Tom Cruise, que virou um ator-personagem e uma grande franquia de si mesmo nos últimos anos.

Não será mero acaso, então, se o filme se conectar essencialmente ao público masculino na faixa dos trinta/quarenta e tantos anos hoje em dia. Como diz o Marcelo Hessel em seu texto, ao contrário da maioria dos chamados “requels”, como os Star Wars da vida, pensados justamente para reapresentar franquias velhas aos adolescentes da atualidade, como fez o novo “Pânico” (2022), este “Top Gun” entende que seu principal ativo é o “fazer à moda antiga”. E o faz com maestria e encanto!

(Arquivo pessoal)

 

Sou Luca Ramalho Rizzuti. Tenho 21 anos. Sou nerd e, desde sempre, cinéfilo de carteirinha. Graduando em Cinema e Audiovisual (2019-2022), no Centro Universitário UNA (Belo Horizonte, MG).
Busco enriquecer o meu trabalho na ampla área do audiovisual com meu repertório de conhecimento teórico-prático em roteiro, fotografia e direção e, em outro campo do cinema, a crítica, além de continuar sempre aprendendo e inovando dentro do meu portfólio.
Amo escrever, conversar… em suma, falar sobre esta das minhas maiores paixões da vida: o Cinema.

jc1140x200
Abrir o WhatsApp
Como podemos ajudar?
Olá, como podemos ajudar?