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‘A gente não é obrigado a nada, exceto a respeitar’, afirma Miguel Castilho, homem transexual, no Mês da Visibilidade Trans

Para além da violência física – que faz do Brasil o país que mais mata pessoas trans no mundo, Miguel chama atenção para as atitudes transfóbicas corriqueiras, geralmente despercebidas, e que precisam ser revistas.

João Alves 


Em 29 de janeiro de 2004 foi organizado, em Brasília, um ato nacional para o lançamento da campanha “Travesti e Respeito”. A manifestação foi um marco na história do movimento contra a transfobia e a data foi escolhida como o Dia Nacional da Visibilidade Trans.

De lá para cá, pouco mudou.  O preconceito, o desemprego, a discriminação e as diferentes faces da violência – inclusive aquela disfarçada de anedotas ou de perguntas aparentemente inofensivas, fazem com que o Brasil continue a ocupar o lamentável posto do país que mais mata transexuais e travestis no mundo.

A violência nossa de cada dia

“A questão da violência contra pessoas da bandeira LGBTQIAP+ não é de hoje. E não é à toa que a gente ainda luta por atrás de leis para isso diminua. Mas, para mim ela está presente no dia a dia.  No comentário que seu amigo faz e que você não corrige ou numa pessoa trans que é alvo de uma piada e ninguém reage porque foi só uma ‘brincadeira’”. Esta fala é de Miguel Castilho, estudante de psicologia de 26 anos, em resposta ao Jornal Cidade sobre os desafios da sua vivência como homem trans.

Para ele, as estatísticas assustadoras em relação à violência sofrida por pessoas trans são resultado de atitudes corriqueiras, e socialmente enraizadas, as quais geralmente não damos atenção.

“Perguntar qual é meu nome de verdade, quando meu nome de verdade é Miguel. Me dizer ‘nossa você é tão bonito, nem parece que é trans”, são alguns dos exemplos enumerados pelo jovem.

Miguel Castilho, 26 (Foto: arquivo pessoal/Divulgação)

Mas a lista é grande e parece não ter fim. Não usar o pronome adequado ou o nome social da pessoa; rir de brincadeiras transfóbicas que deveriam, há muito, ter sido enterradas; questionar a identidade de gênero por questões estéticas.

Todas essas questões, muitas vezes consideradas “mimimi” por uma parcela da sociedade – reacionária e ignorante, diga-se de passagem, fazem do Brasil um personagem político hostil que, ao invés de punir, premia a intolerância para com o diferente. E então, como se fosse uma bola de neve, logo esta aversão ganha uma forma mais volumosa, crescendo até a culminar na violência física – e, muitas vezes, fatal – contra pessoas trans.

Números da violência contra pessoas trans ainda preocupa, destaca Antra

De acordo com o último relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), publicado em 2023, houve pelo menos 131 assassinatos de pessoas trans em 2021, sendo 130 mulheres trans e 1 caso de homens trans. O número de assassinatos em 2022, conclui o dossiê, é superior à média dos anos considerados na pesquisa, de 2008 a 2021 – fato considerado bastante preocupante pela associação.

“Ressaltamos que a média dos anos considerados nesta pesquisa (2008 a 2022) foi de 121 assassinatos/ano. Observando o ano de 2022, com 131 casos encontrados, vemos que ele continua 8% acima de média de assassinatos em números absolutos”, relata o Dossiê.

Contrariando o que normalmente se pensa sobre o ciclo da violência, no caso de pessoas trans, ao que parece, ele não acaba com a fatalidade. Mesmo depois de mortos e mortas, ainda há uma última violência passível de ser sofrida: o desrespeito à identidade de gênero das vítimas nos casos notificados pela mídia.

Só em 2022, 43 reportagens sobre assassinatos de pessoas trans expuseram o nome de registro das vítimas, sequer mencionando o nome social delas, e em outros 5 casos a identidade de gênero de mulheres trans assassinadas não foi devidamente respeitada, tratando-as como “homens” ou “homossexuais” nas notícias.

Respeito é o básico

 “A gente não precisa conhecer tudo o que o outro é. A gente não precisa entender a realidade do outro. A gente não é obrigado a nada, exceto a respeitar. Respeito é o básico”, ressalta Miguel.

E assim, como em uma ficção científica com ares de distopia, voltamos 19 anos atrás e nos deparamos, novamente, com a necessidade de levantar a bandeira “Travesti e Respeito”, a mesma que originou o mês da visibilidade trans.

Sobre a importância desta campanha para o público trans e travesti, Miguel defende que a data é uma oportunidade de levar informação para quem precisa de informação: “Muitas vezes, as pessoas lidam com estranheza com algumas coisas justamente por não as conhecerem. Então o mês da visibilidade é importante por conta disso”.

Janeiro acabou. Agora, cabe a nós transformar os outros meses que virão em uma constante e uníssona luta pelos direitos das pessoas trans e travestis. Luta esta que, quando superamos os pontos de diferença entre o “eu” e o “outro”, se revela uma luta pela dignidade de toda pessoa humana. E não há nada mais bonito que isso.

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