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“Ninguém vai poder, querer nos dizer como amar” – mês do orgulho internacional LGBTQIA+

No mês do orgulho LGBTQIA+, o Jornal Cidade conversou com várias pessoas para saber como tem sido as lutas diárias para garantir aquilo que já é um direito, o respeito.

Reportagem: Matheus Costa/Rhaiane Carvalho

No dia 28 de junho é celebrado o Dia do Orgulho LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers, intersexuais, assexuais e mais). A data, que é celebrada e lembrada mundialmente, marca um episódio ocorrido em Nova Iorque, em 1969, onde pessoas que estavam no bar Stonewall Inn, até hoje um local frequentado pela comunidade LGBTQIA+, reagiram a uma série de batidas policiais que eram realizadas ali com frequência.

A ação contra a perseguição da polícia durou mais de duas noites e, no ano seguinte, resultou na organização da 1° Parada do Orgulho LGBT, realizada no dia 1° de julho de 1970. Hoje, as Paradas do Orgulho LGBT acontecem em quase todos os países do mundo e em muitas cidades do Brasil ao longo do ano.

Infelizmente, a perseguição, discriminação e as violências contra pessoas por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero – real ou percebida – não acabou. Por isso, o Jornal Cidade conversou com várias pessoas para saber como tem sido as lutas diárias para garantir aquilo que já é um direito, o respeito.

Segundo Wander Carvalho, que é professor de Educação Física, atuando no ensino público mineiro, pós-graduando em Ensino de Humanidades pelo IFSULDEMINAS, Campus Passos, MG, graduando em Pedagogia pela UEMG Campus Passos, MG, e membro do Coletivo LGBTQIA+ SindUte Passos, o mês de junho para todos do movimento que luta por respeito à diferença e ao amor, antes de tudo, é celebrar a oportunidade de se ter voz, buscar representatividade, exigir direitos e equidade dentro da sociedade. “É pensar que há pouco mais de 50 anos, era impossível se imaginar que a comunidade LGBT iria revidar e mostrar a cara. Obrigado às grandes mulheres que enfrentaram a batida no Bar de Stonewall. Precisamos refletir não apenas nesse mês, mas a todo o momento, que um travesti é morto, um gay é espancado, uma lésbica é expulsa de casa. As injustiças continuam, precisamos estar em alerta. Avançamos pouco, não podemos parar. Buscar reflexões e entender os privilégios e não se acomodar no marasmo da comodidade é um ato cidadão. Dialogar e tentar se colocar no lugar do outro é um começo para que avancemos. Toda forma de amor é legítima”.

Wander Carvalho é professor de Educação Física, atuando no ensino público mineiro, pós-graduando em Ensino de Humanidades pelo IFSULDEMINAS, Campus Passos, MG, graduando em Pedagogia pela UEMG Campus Passos, MG, e membro do Coletivo LGBTQIA+ SindUte Passos. (Foto: Arquivo pessoal)

O professor também falou sobre a importância do assunto ser colocado em discussões na escolas, jornais, sites e grupos de debates. “Como educador, parto do princípio que no ano de 1996 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, foi elaborado um documento orientador que se chama: Temas Transversais. Acredito que todo assunto é relevante na vida do educando, se faz sentido para ele, deve ser discutido e esclarecido. A cada vez que se discute o tema do respeito às pessoas LGBTQIA+, a naturalização promove a cidadania. O conhecimento traz todos os envolvidos na aprendizagem uma reflexão e uma motivação para se solidarizar com as pessoas que sofrem bullying, acredito que nossos alunos aprendem a amar e não a odiar as pessoas. É importante entender que no mundo existe pessoas diferentes e que nisso está a beleza do existir”.

Carvalho também destacou que o preconceito existe, é real e precisa ser debatido.

“Os debates precisam ser levantados cada dia mais. A homofobia, entre outros preconceitos, além de muitas vezes serem velados, são minimizados por um grupo étnico branco, heterossexual, misógino, machista, patriarcal, que foi estruturado dentro da sociedade vendo símbolos gays como chacotas. Não menosprezo o artista da época, mas cabe a nós dessa geração impor o respeito necessário”.

Mesmo diante da intolerância, ele acrescenta sobre a importância de se lutar pelos direitos. “Penso que o preconceito é estrutural, sempre esteve presente na sociedade. Agora as pessoas criaram coragem de esbravejar suas fúrias para o mundo, devido a um governo que as encoraja. Mas na contramão existe um movimento que nos diz, isso não é certo. Vamos à luta! Ninguém solta a mão de ninguém! E essa forma combativa nos mantém vivo e com mais força de acreditar que o dia de amanhã, ninguém será morto ou espancado. Aos amigxs, familiares, um obrigado do fundo do coração por me encorajar a ser quem eu sou. E sou feliz e a felicidade precisa ser direito de todxs. Respeitar as diferenças é preciso! E nessa vida, como disse Johnny Hooker, ninguém vai poder ou querer nos dizer como amar”.

O jovem Túlio Engel, disse que acha complicado a questão de assumir, pois, segundo ele, ninguém deve se assumir.

“Eu não gosto desse termo assumir ou confessar, como se fosse um crime. As pessoas da minha família sabem sobre mim, mas nunca precisei chegar e contar, e nem vou, porque é uma coisa que eu tenho que estar bem comigo mesmo. Ninguém conta que é hétero, então por que eu tenho que contar?”, disse.

Túlio também contou ao Jornal Cidade que é militante LGBTQIA+, e que sempre participa de encontros para debater temas contra a violência. “Uma percepção não só minha, mas de todo o movimento, é que a classe é muito desunida. Hoje nós temos exemplos de gays que são bem-sucedidos que dão visibilidade, na televisão, na mídia, nos jornais; a gente precisa de mais, mas, de certo modo, a gente já tem. Só que ao mesmo tempo que a gente tem isso, as pessoas se esquecem de que os direitos que a gente tem hoje, temos que dar graças a muitas pessoas que vieram antes. Muita gente teve que ser agredido ou morrer pra gente conseguir o casamento, por exemplo. Então a classe tem uma certa amnésia sobre isso ou finge não ver, e eu vejo isso como ingratidão. Porque como os LGBT’s estão ‘se assumindo’ muito mais cedo hoje em dia, eles acham que já nasceram com esses direitos, mas esquecem que muita gente morreu para termos a liberdade que temos hoje”, contou ele.

Túlio Engel é militante LGBTQIA+, e sempre participa de encontros para debater temas contra a violência. (Foto: Arquivo pessoal)

Túlio é estudante de jornalismo na Faculdade Pitágoras Divinópolis, e disse à redação que o maior preconceito que ele já sofreu e ainda sofre é com relação a empregos. “As pessoas olham para os LGBT’s e não veem um profissional. Eu escolhi ser jornalista porque é uma paixão desde criança, antes, queria fazer para aparecer, ser famoso. Mas depois eu percebi que era uma questão de visibilidade para a nossa classe, quero estar na mídia para ser referência, exemplo para a ‘bixa’ que está lá embaixo ainda se descobrindo, ver que ela tem oportunidade. Todos os empregos que tive até hoje foram serviços públicos porque consigo por processo seletivo. Eu não consegui um estágio na minha área até hoje por causa do preconceito. Eu já cheguei a ser o único candidato a uma vaga e o empregador desistiu de me contratar”, relatou ele.

Por fim, Túlio aconselha as pessoas que estão se descobrindo, a sempre serem verdadeiras com elas mesmas. “seja você, porque você não engana ninguém, a não ser a si mesmo. Então dê razão à sua natureza. É muito sofrimento passar uma vida inteira se enganando. Então o que eu digo é seja você, ergue a cabeça porque nada na vida é fácil e no final dá certo”, finalizou.
É fato que a luta não é apenas do LGBT, pois quem está ao seu redor, também sofre, como é o caso das mães. Por isso a redação entrou em contato com Joana Darc Campos Félix, que é mãe de uma LGBT.
Joana disse ao JC que no começo foi um choque, não por sua filha gostar do mesmo sexo, mas com o que a população poderia fazer para maltratá-la e o preconceito com ela. “Mesmo assim eu assustei muito. Mas depois de uma conversa tudo se resolveu. Minha filha sempre foi uma menina muito boa, graças a Deus, nunca me deu trabalho em nada”, contou.

Joana deixa uma mensagem para as mães que ainda têm dificuldade de aceitar seus filhos como são.

“Não abandonem seus filhos por eles serem LGBT, porque os filhos da gente são nossos, e se a gente não puder lutar junto com eles, estar ao lado deles, saber o que passa na vida deles é melhor do que deixar que os outros da rua o eduquem. Minhas filhas são os amores da minha vida, e eu falo isso para todo mundo. O que eu quero mesmo é ver minha filha feliz, e hoje vejo isso porque apoiamos ela do jeito que é”, finalizou.

Túlio Castro, que tem 26 anos, diz que se assumiu com 18 anos e antes disso acontecer ele passou pelo processo de aceitação pessoal. “Pra mim foi o processo mais difícil, por ter sido criado dentro da igreja e sempre muito cristão, ser como sou era a condenação que me assombrava. Desde criança sabia que tinha algo diferente comigo, mas sempre reprimi e forcei ser alguém que não sou. Aos 17 anos, já morando sozinho, decidi me libertar e acabei me encontrando, mas não foi tão rápido assim, teve todo um processo. Primeiro, negação, não queria aceitar ser homossexual, porque ser assim, não seria tão fácil quanto ser o ‘normal’ para a sociedade”

Castro afirma que o fato dele se assumir como homossexual mudou apenas o modo de amar, o que não interferiu em seu caráter. (Foto: Arquivo pessoal)

Castro afirma que o fato dele se assumir como homossexual mudou apenas o modo de amar, o que não interferiu em seu caráter. “Até que enfim me aceitei! Me aceitei como homossexual. Mas isso não mudou absolutamente nada na pessoa que eu era, meu caráter e minha personalidade continuaram os mesmos. O que mudou foi somente meu modo de amar”.

Ele ainda destacou um episódio de homofobia o qual deu ainda mais força para lutar por seus direitos. “Certa vez, em Divinópolis, no ônibus com um amigo, começamos a ouvir ofensas, gritos de ódio, palavrões voltados a nós por simplesmente existirmos naquele lugar e naquele momento. Foram no máximo dez minutos dentro do ônibus de um bairro ao outro, mas foram os piores dez minutos da minha vida. Onde me vi com medo, por não estar na minha cidade, por não ter ninguém em que eu pudesse chamar pra me ajudar ou me socorrer. Mas é aí que aprendemos a ser fortes que nem sempre teremos alguém pra nos defender e que no fim das contas é nós por nós. Felizmente ficou somente nisso mesmo, fomos xingados, abaixamos a cabeça e saímos do ônibus. Fazer o que né, encarar um grupo de homens que nunca vi na minha vida, numa cidade que mal conheço? Não. Quis prezar pela minha vida e de meu amigo, e voltar pra casa bem”.

Túlio ainda deixa uma mensagem para as pessoas serem quem são e não desistirem de lutar por seus ideais.

“O recado que eu tenho pra quem está chegando agora, é que nós não somos a escória do jeito que a sociedade sugere, nós somos bons e podemos ser muito melhores. Seja forte, foque naquilo que te faz bem, e te faz crescer como pessoa. Se sua família não te apoia, não fique triste, nós LGBT’s temos a opção de escolher quem será nossa família. Escolha estar perto de quem te faz bem, de quem te coloca pra cima e te apoia em suas escolhas. Não se apegue ao ódio destilado a nós gratuitamente todos os dias, foque nas coisas boas e em quem te ama. Seja livre, seja feliz, seja exatamente como você quer ser!”.

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