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Celebrando a Tradição e Fé – A Festa de Reinado no Centro-Oeste de Minas

A festa é celebrada em todo o território brasileiro, de norte a sul do país. Embora não haja uma data fixa, é comum que aconteça entre maio e outubro.

Stefani Couto

Na tranquila região do Centro-Oeste de Minas Gerais, uma tradição profundamente enraizada na cultura e religião das comunidades locais floresce a cada ano: a tão aguardada Festa de Reinado da Igreja Católica. Mais do que um evento religioso, essa celebração é um elo entre o passado e o presente, refletindo a riqueza das tradições que moldaram a identidade dessas cidades.

A Festa de Reinado, enraizada na tradição da Igreja Católica, é uma celebração em honra à Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito. Além da dimensão religiosa, a festa também envolve aspectos culturais que variam de região para região, refletindo a diversidade das comunidades que a abraçam.

Um Olhar ao Passado: A História da Festa

A festa do congado ou Festa de Reinado é uma tradição cultural e religiosa que tem suas raízes na igreja católica, especialmente nas regiões do centro-oeste de Minas Gerais, no Brasil. Ela é uma manifestação popular que combina elementos da cultura africana, indígena e portuguesa, e é celebrada em honra aos santos padroeiros das comunidades.

A festa tem origem nos tempos da escravidão, quando os africanos trazidos para o Brasil mantinham suas tradições religiosas e culturais, adaptando-as ao contexto católico imposto pelos colonizadores. O termo “congado” deriva de “congo”, que era uma região da África Central de onde muitos escravos foram trazidos.

A Festa do Reinado, também conhecida como Congado, é um evento que simboliza a coroação do Rei Congo Galanga no Brasil, historicamente ocorrido na antiga Vila Rica, em Minas Gerais. Durante o período da escravidão, os territórios do continente africano foram invadidos e seus habitantes foram escravizados e levados para outras nações como mão de obra escrava. Na África, existia a tribo do Congo, cujo rei era Galanga, com sua rainha Djaló. O príncipe Mozinga e a princesa Itulo também faziam parte dessa corte. Todos eles foram capturados, colocados em navios negreiros e trazidos para o Brasil. Durante essa viagem, a esposa e a filha de Galanga faleceram e foram lançadas ao mar. Galanga e sua corte foram vendidos ao Major Antônio de Morais Góes, proprietário de uma fazenda de café e uma mina de ouro em Vila Rica. Galanga, como rei, conquistou a confiança do Major e passou a acompanhar as sinhazinhas até a igreja, onde elas entravam enquanto ele ficava do lado de fora. Para acalmar seu povo, que frequentemente se revoltava contra suas condições de vida, Galanga conseguiu, com o intercessor de Vila Rica, um dia de folga para que sua comunidade pudesse lembrar de sua terra natal por meio de cânticos e danças. No dia 06 de janeiro, dançando o que hoje conhecemos como Congado ou Reinado, essa celebração teve início. Com o tempo, os santos Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia foram incorporados à festa. Hoje, essa celebração magnífica rememora a coroação do Rei Galanga, bem como a luta contra a discriminação racial e religiosa, os direitos humanos e o lamento pelas adversidades enfrentadas pelos negros no período da escravidão, mantendo viva a fé do seu povo”, nos conta Wellington Borges, capitão e fundador da Congada Filhos do Reis de Leandro Ferreira.

Durante a festa, os participantes se organizam em grupos chamados “congados” ou “moçambiques”, que são liderados por um capitão ou mestre. Cada grupo representa uma irmandade religiosa e tem seu próprio estandarte, que é carregado durante as procissões. Os congadeiros vestem trajes coloridos e utilizam instrumentos musicais como tambores, chocalhos e maracás para acompanhar as danças e cantos.

A festa do congado é marcada pela realização de novenas, missas e procissões. Durante as procissões, os congadeiros percorrem as ruas da cidade, visitando as casas dos devotos e levando a imagem do santo padroeiro. A música, a dança e a devoção religiosa são elementos centrais da festa, que também inclui a preparação de comidas.

Preservação da Tradição ao Longo dos Anos

A festa de reinado, com suas raízes firmemente estabelecidas na história e cultura local, é muito mais do que uma simples celebração. Ela é um elo entre as gerações passadas e futuras, uma narrativa viva que ecoa com as vozes daqueles que vieram antes de nós.

Uma das formas pela qual a tradição é sustentada é através da participação ativa das crianças. Desde tenra idade, essas crianças são imersas nos valores da festa, aprendendo os cantos e movimentos que fazem parte desta rica herança.

Durante as congadas, as histórias dos que já partiram são revividas através de cânticos e evocações, mantendo viva a lembrança daqueles que contribuíram para moldar a festa ao longo dos anos. Essa prática de honrar os que vieram antes de nós não só solidifica os laços com o passado, mas também transmite um profundo senso de identidade e pertencimento às gerações futuras.

Conversando com membros da região, é evidente que a preservação dos elementos culturais é uma prioridade. As tradições são passadas de geração em geração, garantindo que danças, músicas e vestimentas típicas permaneçam vivas e autênticas.

Contudo, para Michelli, primeira secretária da Associação dos Reinadeiros de Moema: “A preservação da tradição da festa de reinado varia de região para região, como mencionado anteriormente. Para ser mantida, essa tradição requer conhecimento histórico. No entanto, em muitos lugares atualmente, ela está se perdendo. Muitas pessoas participam da festa movidas pela fé, enquanto outras dançam e celebram sem compreender o verdadeiro significado por trás dela.”

Cerimônias Centrais da Festa de Reinado

Uma das cerimônias mais marcantes é a missa de hasteamento dos mastros, que ocorre um mês antes da festa. Os mastros são símbolos para a comunidade sobre o início iminente das festividades. Eles representam uma espécie de chamado à união e preparação para as celebrações que estão por vir. Essa cerimônia não só anuncia a aproximação da Festa de Reinado, mas também convoca os membros da comunidade a se unirem em torno do evento.

Hoje, uma das cerimônias principais é o levantamento dos mastros de aviso, que simboliza o início da festa. A missa de levantamento acontece com a participação das congadas, moçambiques, catupés, vilões, marinheiros, marujos, entre outros grupos. Além disso, há uma novena preparatória para as festividades. Durante o dia da festa, as congadas percorrem as ruas visitando sua corte, e há também uma missa conga que simboliza a coroação do rei galanga no Brasil. A celebração é encerrada com o descimento dos mastros”, Wellington Borges.

Símbolos da Festa de Reinado em Lagoa da Prata. Foto cedida por César Silva Foto: Leandro Ferreira

O Papel do Rei e da Rainha do Reinado

A seleção dessas figuras é baseada na tradição do congado, onde indivíduos com profundo conhecimento e envolvimento na tradição são escolhidos. Geralmente, o título de rei e rainha é transmitido de forma hereditária dentro da família, com a possibilidade de ser passado para fora apenas se renunciarem a esse direito. “É passado de geração em geração ou quando não tem ninguém da família que queira assumir, o cargo vai para a diretoria indicar as pessoas e acontece a votação entre os capitães”, César Silva, primeiro secretário da Associação e Rei de São Benedito de Lagoa da Prata. Segundo ele, o papel do Rei e Rainha é “ajudar a organizar os festejos em vários aspectos e ser referência para os congadeiros”.

Integração da Comunidade e Fortalecimento dos Vínculos Sociais

Essa festividade não é apenas um conjunto de rituais e celebrações, mas sim um símbolo que transcende as barreiras sociais e raciais, congregando pessoas de diversas origens em torno de um objetivo cultural e religioso comum.

A festa em si envolve toda a cidade, pois, além de ser uma festa de cunho religioso, envolve comércios, pois os grupos tem várias refeições, confecção das fardas, várias costureiras. Fortalece muito o comércio em si da cidade, envolvendo também a prefeitura local”, César Silva.

O poder dessa festividade vai além da mera celebração; ele tece os fios invisíveis que conectam os membros da comunidade em um tecido de coesão e compreensão mútua. Ao destacar a importância da festa de congado para todas as pessoas envolvidas, sejam participantes ativos ou espectadores emocionados, ela solidifica seu papel central na vida da comunidade. Essa celebração não é apenas um momento no calendário, mas sim um catalisador de união e respeito entre indivíduos de variadas trajetórias.

De acordo com Michelli: “Em Moema, a festa de reinado une toda a comunidade, seja através da dança, do cumprimento de promessas por meio de oferendas alimentares, ou do trabalho voluntário realizado no local da celebração. A festa se torna um momento de coesão social, onde os moradores se engajam ativamente em diversas formas para garantir o sucesso da celebração”. Wellington complementa que, “a festa do congado unifica pessoas de diferentes origens, como brancos e negros, pobres e ricos, todos compartilhando do mesmo propósito cultural e religioso. Isso ajuda a fortalecer os laços sociais e promover a coesão na comunidade, destacando a importância do evento para todos os envolvidos.”

Preparativos e Organização da Festa

A sua organização é fruto de uma colaboração entre a irmandade local e os envolvidos diretamente, uma aliança que busca preservar e compartilhar as ricas tradições da região. Com um planejamento meticuloso, o processo de preparação começa assim que a festa já se encerra.

A preparação da festa começa imediatamente após o término de cada edição. Ao longo do ano, diversas reuniões envolvendo festeiros, reis, dançadores e o pároco são realizadas. As congadas também iniciam o processo de seleção das novas fardas e buscam patrocínios para apoiar os dançadores. Algumas estratégias de arrecadação, como rifas e almoços, são realizadas para angariar fundos”, afirma Michelli que também é congadeira em Moema, na Congada Rosário de Maria.

Contribuição para a Preservação da Identidade Local

Durante essa festa, muitas pessoas participam, o que demonstra a importância do evento na comunidade. As congadas desempenham um papel crucial na disseminação da cultura local. Suas apresentações em diferentes lugares ajudam a compartilhar as tradições, costumes e valores relacionados à Festa de Nossa Senhora do Rosário, permitindo que pessoas de fora da cidade também se familiarizem com essa manifestação cultural.

Os grupos de congados, ao viajar, ensaiar e se apresentar, desempenham um papel fundamental na transmissão das tradições culturais para os jovens. Eles ensinam as práticas de tocar e cantar, contribuindo para a preservação da cultura e fortalecendo a identidade da comunidade”, afirma Wellington Borges.

Desafios e Superando Obstáculos na Organização

Como nem tudo são flores, em toda organização de eventos também encontram-se dificuldades e obstáculos a serem superados, principalmente quando não se tem o apoio necessário do poder público local. Como nos conta Michelli: “Enfrentar desafios é uma realidade. Por vezes, a busca por festeiros dispostos a contribuir com as refeições pode ser um obstáculo. Apesar disso, a comunidade se esforça para que tudo ocorra bem. O apoio do poder público nem sempre é ideal, especialmente no que se refere às congadas que muitas vezes precisam buscar patrocínio para custear as fardas. Espera-se que a atenção destinada à festa noturna na praça possa se estender à verdadeira celebração das congadas.”

A organização da festa de congado apresenta uma série de desafios complexos, que abrangem não apenas os aspectos logísticos e administrativos, mas também a manutenção da rica tradição cultural que a congada representa. Um dos principais desafios reside na meticulosa gestão do convite de congadas e festeiros, um processo que demanda atenção minuciosa para garantir a participação adequada de todos os envolvidos.

As irmandades desempenham um papel importante ao oferecer apoio e recursos para as congadas. Reconhecendo a importância de se manter viva essa herança cultural, essas organizações proporcionam aulas especializadas voltadas para a formação de músicos e cantores habilidosos, alicerçando as bases musicais que permeiam a festa de congado. Além disso, elas se esforçam para estender a conscientização sobre a origem e significado da celebração, por meio de palestras ministradas nas escolas, buscando despertar o interesse das novas gerações.

Foto: Leandro Ferreira

Papel da Paróquia na Realização da Festa

Enquanto não detentora do papel de entidade principal organizadora, a igreja assume uma função de grande relevância ao proporcionar eventos religiosos e atividades intrinsecamente ligadas à celebração. Ao longo deste fervoroso período de festividade, a paróquia se destaca como um farol espiritual, guiando os fiéis por meio de cerimônias sagradas e práticas devocionais.

A paróquia, por sua vez, se insere harmoniosamente no tecido da celebração de reinado, contribuindo de maneira notável para a riqueza cultural e espiritual do evento. Sua participação, embora não ostente o papel principal, infunde a festa com um contexto religioso profundamente significativo. Através de eventos religiosos meticulosamente elaborados e atividades que inspiram a reflexão espiritual, a paróquia lança uma ponte entre o fervor festivo e as raízes espirituais que permeiam a celebração de reinado.

A paróquia desempenha um papel essencial na realização da festa de reinado, fornecendo apoio e suporte significativos. O padre Adriano William, nosso pároco, tem ressaltado a importância de resgatar a dimensão espiritual da festa. Ele participa ativamente das reuniões e compartilha suas experiências, contribuindo para o enriquecimento da celebração”, conta Michelli, de Moema.

A Perspectiva da Nova Geração e Esforços de Engajamento

Para alguns jovens, a festa se apresenta como um simples encontro festivo, onde a música, dança e convívio social se combinam em uma atmosfera de alegria e descontração. Nesse enfoque, a celebração ganha destaque como um momento de interação social, uma pausa na rotina, sem necessariamente carregar consigo o peso da história e da herança cultural que a fundamentam.

A festa de reinado pode ser vista de diferentes maneiras pela nova geração. Alguns jovens podem se envolver de forma mais superficial, focando apenas na celebração festiva, enquanto outros podem buscar compreender e preservar a tradição em sua totalidade. Há esforços para manter a festa viva entre os jovens, como a promoção de aulas, workshops e atividades que buscam transmitir os valores culturais e religiosos subjacentes à festividade”, revela Wellington.

Contudo, nem todos os locais possuem um apoio adequado para aumentar o interesse dos jovens e emerge a necessidade de que capitães, majores e diretores, transmitam com vigor as narrativas que permeiam as fardas e os instrumentos emblemáticos desse acontecimento cultural.

Infelizmente, muitos jovens não compreendem completamente a importância da festa de reinado e sua rica história. Muitas vezes, a festa é vista como um evento social e sua verdadeira essência pode ser perdida. É fundamental que os líderes das congadas, como os capitães, majores e diretores, transmitam a história por trás da farda e dos instrumentos, compartilhando a maravilhosa história que ela representa. O ensinamento e a conscientização são essenciais para manter viva a tradição entre os jovens”, indica Michelli.

Símbolos da Festa de Reinado em Lagoa da Prata. Foto cedida por César Silva

Reflexão da Identidade e Religiosidade na Festa de Reinado

A festa de reinado reflete a identidade e a religiosidade do povo do centro-oeste de Minas ao enraizar-se nas tradições culturais e religiosas da região. Ela representa uma fusão de elementos africanos, brasileiros e mineiros, simbolizando a história da diáspora africana no Brasil e a resistência cultural dos povos negros. A coroação do rei congo no Brasil, assim como os costumes, danças e músicas presentes na festa, são expressões da identidade e da religiosidade profundamente enraizadas nessa comunidade.

A festa não apenas homenageia os santos e a espiritualidade, mas também traz à tona a história de luta, resistência e liberdade dos africanos escravizados que contribuíram para a formação da cultura local. As músicas, danças e batuques são formas vivas de expressar essa herança e ressaltar a importância da celebração em toda a região.

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