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Zé Doido da Mundica

Ninguém soube me dizer o nome verdadeiro do Zé Doido. Nem os filhos. Da história da Mundica todo mundo lembrava. Cuidou de um dos filhos do Coronel Carlos Bernardes quando criança. Dizem ser Raimunda o nome verdadeiro, Raimunda da família dos Novaes antigos, lá das bandas de Itapecerica.

Mudou-se jovem para a casa do Coronel e, menina, cuidou de um dos filhos até tornar-se rapaz. Quando este se casou, passado algum tempo, a Mundica casou-se também com o Zé Doido. Dizem que era muito trabalhador. Contudo quando bebia causava tumulto.

O problema é que passou a beber muito e o fazia diariamente.  Fazia arruaça e das grandes. Algumas vezes dormia na cadeia. Aliás, nos primeiros tempos da cadeia era assíduo frequentador de lá. Certa feita, já cansados dos movimentos que o Zé causava, principalmente nas vendas e nas rezas, colocaram o Zé do lado de fora da cadeia, amarrado com cordas numa lança de ferro presa a grade do portão que dava para a rua.

Cada um que passava dava uma lambada de chicote no dorso do Zé Doido e gritavam pra ele rezar um terço pra não ganhar outra. O Zé nunca tinha ido na missa mas rapidinho aprendeu o terço, a Ave Maria, o Pai Nosso, “Ladainha de mais não sei quem” e antes mesmo dos transeuntes pegarem no ‘reio’ já se colocava a rezar.

A derradeira vez que aprontou, bateu na Mundica. Ela saiu de casa correndo e colocando-se de joelhos no meio da rua, na Rua do Capim, na parte de baixo da cidade que então se formava, um homem branco alto, vendo a covardia, desceu do alto da carroça e colocando-se entre o Zé Doido e a Mundica, empurrou o Zé dizendo que não queria briga. Que queria apenas que ele parasse de bater na mulher.

É que o Zé também era alto e muito forte, o que sempre se gastava energia e muitos homens para aquietá-lo, se não fosse na base do cassetete dos soldados ou debaixo de um cano de polveira que o delegado sempre trazia na algibeira do cavalo, quando não na ponta de uma espingarda calibre 20 muito bem cuidada.

O homem empurrou o Zé umas duas ou três vezes… O Zé não se dando “por rogado” agrediu o homem com duas ou três pancadas. O homem desconhecido resolveu então defender-se. Pouca conversa, depois de um empurra-empurra e troca de socos e pontapés, acertou umas quatro vezes a cara do Zé, vindo este a cair no chão.

O homem passou a mão num machado que trazia dentro da carroça. Virando o cabo, passando o corte para o lado de cima, subiu o machado para o alto da cabeça e quando foi para descê-lo, o que fatalmente mataria o Zé, a Mundica abraça o homem e, pedindo pelo “amor de Deus”, pediu que se fizesse caridade com o Zé, pois este não era má pessoa, nem mau pai… o seu mal era a bebida…

O homem rogou pragas no Zé, também rogou-as por sobre a cabeça da Mundica, e virando-se novamente para a carroça, colocou o machado dentro desta. Virando-se para a Mundica, ofereceu dinheiro a ela e também um lugar na carroça, se caso ela quisesse acompanha-lo, prometendo cuidar dela e dos filhos.

Convidou-a para ir com ele fixar-se nas terras do Triângulo Mineiro. Mundica agradeceu, prometendo amizade sincera, alimento, café e pouso, sempre que ele aqui quisesse passar uns dias.

O Zé Doido foi colocado para fora de casa. O homem quebrou-lhe os dentes e o nariz. Aliás, o nariz ficou torto pro resto da vida.

Sãozinha, neta de Mundica, foi quem contou a história da mãe, mostrando um retrato preto-e-branco antigo, com a foto da Mundica, preta com cabelos brancos, brancos. Sãozinha mostrou-me a mãe dela, atrás da Mundica, segurando-lhe uma das mãos.

Estranhei o fato da mãe da Sãozinha ser a única filha branca da Mundica e do Zé Doido, de um total de sete, seis pretinhos. Mas depois que os meus óculos quebraram-se, parei de confiar na visão…

Histórias que o povo conta…

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