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Tônia Lister | Artigo

Foto: Reprodução/Internet

Dedico esta coluna a todos os voluntários e amigos da Fundação Chiquita Perillo, em Lagoa da Prata. Com os meus cumprimentos e desejo sincero de que permaneçam na luta e obtenham sempre, excelentes frutos. Obrigado pelo brilhante trabalho!!!

Uma das figuras mais talentosas e inteligentes que já conheci, claro, depois do Jan Prokop, competentíssimo fiscal da Prefeitura Municipal de Lagoa da Prata, foi a senhora Tônia Lister, esposa do senhor Antônio Ferben.

Jan vez por outra me dá a honra de ouvi-lo e aprender um pouco com ele. Meu caro amigo Prokop tinha que ser professor em uma Faculdade, dando aula de História Mineira, arte, música, Clube da Esquina, qualquer coisa nesse gênero.

A Tônia não era tão inteligente quanto o Jan mas sua cultura era muito rica. Como residiu em diversas cidades, em diversos estados do país, do norte ao sul, bem como em países da África e Europa, Tônia adquiriu vasta cultura e conhecimento. Esta distinta senhora me foi apresentada pelo senhor Onildo Miranda (Bugiganga), lá mesmo em sua loja/fábrica, ali na rua Professor Jacinto Ribeiro, perto da praça.

Ao retornar dos cultos na Igreja Evangélica Assembléia de Deus, sempre passava na casa da dona Tônia para ouvir as suas histórias, ouvi-la cantar e tocar piano, quando às vezes, acompanhada do marido, senhor Antônio Ferben, bem como da cunhada, Alessandra, nos ofertava música regada a algumas garrafas de vinho… Com o meu contrabaixo, sempre ofertava a eles acompanhamento, aproveitando para aprender um pouco mais de boa música e das inúmeras partituras, até então para mim uma notória novidade. Partituras de contrabaixo naquela época eram difíceis de conseguir.

Todos gostavam muito de vinho: qualquer marca, qualquer sabor, desde que fosse vinho. Eu apreciava mesmo as músicas: João Gilberto, Caetano, Gil, Toquinho, Vinícius, Jobim, Hermeto Paschoal, Sá e Guarabira, Teixeira, Pena Branca e Xavantinho, Clube da Esquina com Lô Borges, Beto Guedes e o inesquecível Milton Nascimento… Muitos cantores excelentes… Mas Tônia gostava mesmo era de Ney Matogrosso… gostava das músicas, da interpretação dele, de sua presença musical. Gostava de ir nos shows, comprava os discos de vinil, mais tarde cd’s, dvd’s. Possuía verdadeira veneração pelo Ney Matogrosso e suas canções.

Uma vez a Tônia fantasiou-se de empregada doméstica, com um vestido pra lá de curto, pedindo ao marido que comprasse roupas e se maquiasse, a fim de se parecer com Ney Matogrosso, com o intuito de participarem de uma festa no Umuarama. O marido ficou parecendo mais um pirata do que o Ney, mas pelo que me consta se divertiram muito. Ao final do baile, por conta de ciúmes do Ferben, não sem motivos, tiveram que deixar o baile, antes que uma briga séria se instalasse. E eu, como estava de carona com os dois, acabei por ir embora cedo da festa também.

Tônia era talentosa mas o ciúme estreito do marido e uma filha com Síndrome de Down, fizeram com que ficasse em casa, tomando conta de tudo, tomando conta da filha, mais tarde, de outros filhos… Possuía carreira consolidada em uma entidade beneficente (ela era assistente social), bem como brilhante professora de filosofia em uma importante universidade no Rio, deixando tudo a fim de acompanhar o marido nas andanças, nas obras de construtoras espalhadas pelo país afora. Acabou que tomou gosto em morar tempos em tempos em cidades diferentes, em diferentes lugares.

Por conta de uma obra na nossa região a qual era acompanhada diretamente pelo Ferben, acabou fixando residência em Lagoa da Prata, após visita à praia municipal em um domingo.

Tônia dizia que havia aprendido a ser dona de casa, acordar cedo, comprar pão, fazer o café, acordar os filhos, leva-los à escola (levava todos), arrumar a casa, cuidar de plantas, do jardim e da pequena horta, hortênsias, margaridas, violetas, rosas vermelhas, rosas brancas. Na frente da casa, nos muros da entrada, possuía toda espécie de orquídeas e ao centro, vários pés de amora. Estes pés eram tão bem cuidados que produziam durante todo o ano, uma coisa intrigante. Eram as plantas preferidas do Senhor Ferben quando ele passava dias em casa.

Certa vez, quando eu estava na Puc em Arcos, recebi a notícia de que o senhor Ferben havia falecido. Tônia foi para o Rio de Janeiro, e acabou fixando residência em Niterói, próximo à família de Ferben, levando para lá todos os filhos, vendendo a casa, com mobília e tudo.

Há poucos anos, reencontrei Tônia, infelizmente no velório do meu querido e amado Pastor Silvano. Um abraço bom, de amizade de muitos anos, sentido e cheio de paz.

Disse-me Tônia que o “tempo é implacável e nos arrasta a todos pelo caminho. Não há como resistir-lhe a altivez e a impiedade com que trata as lembranças e a saudade, sempre a interromper a nossa alegria com a partida de mais um ente querido”.

Ofertou a mim o seu ombro amigo para consolo, dizendo que também aguardava para breve sua partida, em face de um câncer com mau prognóstico, de cura longínqua e doloroso processo de tratamento do qual sempre se manteve longe e antipática. Todo o receituário médico para tratar a doença obteve dela severo esquecimento, tomando remédios apenas e tão somente para aliviar a dor, aplacar a febre, abrir-lhe o apetite e auxiliá-la a dormir.

Disse que estava feliz apesar de tudo e que mantinha em casa, sempre às segundas e quintas, intensa atividade social e musical, recitando poesias, contando causos e lendo as colunas que lhe remetia semanalmente.

Despedimo-nos na certeza de que talvez fosse a última vez que nos veríamos, visto sua decidida vontade de nunca mais adentrar em um avião, ônibus, carro, qualquer coisa, com a intenção de tirá-la do conforto da sua residência no Rio. Desde então não obtive dela outras notícias. Tônia saiu das redes sociais, não enviando mais e-mails, nem respondendo os meus.

Receio que a sua voz doce, encantadora, tenha sido tomada de revoltoso silêncio.

Ao tempo e ao câncer, deixo aqui os meus protestos miliares, com veemente asco e permanente desejo de mantê-los à distância segura e certa, ao passo que em qualquer momento de aproximação, serão recebidos, os dois, com fogo cerrado e ininterrupto, como se numa guerra estivéssemos. Isto é uma ameaça e será levada a bom termo em caso de desacato.

Histórias que o povo conta…

IJR/

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