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Relatos de racismo revelam que o problema está longe de acabar

Todos os anos, desenvolvemos diversas reportagens sobre racismo, para mais uma vez ter que falar o óbvio que, infelizmente, os números mostram que gente demais ainda não entendeu: que todos, todos os seres humanos possuem os mesmos direitos e merecem respeito.

Rhaiane Carvalho


Fui criado pela minha mãe; lembro que, quando adolescente ela fazia uma lista de instruções para eu sair de casa e não ser confundido com bandido. ‘Bruno, ajeita a coluna, não use capuz; não ande com os braços largados; escolhe a roupa que vai sair; não anda de cabeça baixa…’; eu tinha que seguir um manual, só para ir à esquina às vezes. Eu queria andar de skate, sair normal a noite, mas eu tinha medo, não por fazer coisas erradas, mas por ter a pele escura. A nossa raça muitas vezes é julgada e apanha por ter somente a pele escura, esse é o primeiro ponto”, relata Bruno Ribeiro, auxiliar de expedição, sobre o racismo.

Todos os anos, desenvolvemos diversas reportagens sobre racismo, para mais uma vez ter que falar o óbvio e infelizmente, os números mostram que gente demais ainda não entendeu: que todos, todos os seres humanos possuem os mesmos direitos e merecem respeito.

Diariamente, milhares de pessoas negras são alvos de preconceito e violência no país e no mundo. O termo racismo não possui uma definição concreta e predominante, contudo, algumas instituições o define e, quase sempre, os conceitos convergem. Segundo o dicionário Michaelis, racismo é:

  • Teoria ou crença que estabelece uma hierarquia entre as raças (etnias);

  • Doutrina que fundamenta o direito de uma raça, vista como pura e superior, de dominar outras;

  • Preconceito exagerado contra pessoas pertencentes a uma raça (etnia) diferente, geralmente considerada inferior;

  • Atitude hostil em relação a certas categorias de indivíduos.

Já a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, tratado internacional de direitos humanos, adotado pela Assembleia das Nações Unidas, define discriminação racial como: “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública”.

Mas o que ainda é inaceitável é que a discriminação ainda mate de tantas formas, tantas pessoas, quando mais da metade da população brasileira é formada por negros (54,9%). Mesmo sendo maioria, os dados comprovam que a população negra amarga os piores índices de desigualdade em vários setores. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, eles são a maioria dos desempregados: a cada três, dois são negros. Também são os que mais sofrem com a violência: de cada cem pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Esse dado é do Atlas da Violência (Ipea/IBGE), que diz também que um cidadão negro tem 23,5% mais chances de ser assassinado que uma pessoa não negra, isso já descontado o efeito da idade, escolaridade, estado civil ou bairro de residência. Os negros também recebem menores salários e são minoria nos bancos das universidades. Já as mulheres negras, entre outros dados, sofrem mais violência obstétrica e são maioria entre as vítimas de feminicídio.

Consciência negra e histórias de racismo

No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra, um dia voltado para a reflexão sobre o que movimenta a criação da data. O dia 20 de novembro não é um feriado nacional, mas alguns estados e municípios adotaram a data como feriado. Para homenagear aqueles que lutam diariamente em ambientes de trabalho, escolas e em vários locais, a reportagem conversou com algumas pessoas que falaram sobre suas lutas diárias.

Wagner Jesus, é advogado, e se formou com dificuldades, sendo desacreditado até pela família por causa da cor da pele.

“Me mantive firme no que eu sempre acreditei desde criança, que é que eu quero, não quem me impeça. Mas em diversos trabalhos às vezes eu era capacitado para algumas vagas e me diziam que não dava pra mim. Empresas optavam em nos colocar apenas como sombra, a gente fazia o grosso; serviços ditos melhores não era pra negro antigamente e até hoje é assim, só que nós passamos a conhecer leis, a entender nossos direitos”. Relata Wagner Jesus

Quando passou no vestibular de Direito, Wagner chegou a ouvir de várias pessoas da família que era para desistir. “Me diziam que eu não deveria querer um lugar que não era pra mim. Mas quem disse que não era? A gente [negros] cresce tendo que provar a todo momento que é capaz de trabalhar em serviço bom; que pode ser bonito como um branco; que pode estudar em escola boa…mas a gente tem que provar que merece. É triste, mas a gente ainda sente muita coisa na pele. Hoje, como advogado, digo que existem clientes que não me escolhem pela minha cor. Mas o mundo está mudando, acredito que as novas gerações terão mais consciência”.

Bruno Ribeiro é auxiliar de expedição e fala que cresceu aprendendo a não criar expectativas para crescer profissionalmente.

“Fui criado pela minha mãe; lembro que, quando adolescente ela fazia uma lista de instruções para eu sair de casa e não ser confundido com bandido. ‘Bruno, ajeita a coluna, não use capuz; não ande com os braços largados; escolhe a roupa que vai sair; não anda de cabeça baixa…”; eu tinha que seguir um manual, só para ir à esquina às vezes. Eu queria andar de skate, sair normal a noite, mas eu tinha medo, não por fazer coisas erradas, mas por ter a pele escura. A nossa raça muitas vezes é julgada e apanha por ter somente a pele escura, esse é o primeiro ponto”. Comenta Bruno Ribeiro

Ele ainda explicou sobre sua rotina quanto ao trabalho. “Vai ter promoção no trabalho? É lógico que será o branco quem vai ocupar cargo de chefia. Não falo da empresa que estou hoje, mas já vivi diversas situações assim. Não falam diretamente, mas não querem negros sendo destaque, pois não são vistos como pessoas bonitas por muitos, infelizmente”.

Elizângela Soares, é cabelereira afro, e sofreu muitos anos com as famosas químicas para alisar o cabelo, dito “ruim”, mas com o empoderamento feminino, se libertou. “Eu não sabia que isso era uma forma de racismo; eu não sabia nem que era errado, pois todas as mulheres usavam cabelos lisos. Quando comecei a ler, entendi que eu não devia ter vergonha do meu cabelo, e que ele também não era ‘ruim’. Meu cabelo é lindo e se as pessoas acham ele feio por remeter às pessoas de origem negra, o problema é totalmente delas. Viva meu black! Viva essa cor linda de pele! Viva todas as cores, pois o mundo deve ser mais colorido pra tirar o amargor dessas pessoas que se prendem a tão pouco e ainda acabam com a vida de tantos”.

Matheus Costa é jornalista e no Ensino Fundamental também sofreu com vários preconceitos direcionados ao seu cabelo.

“Nessa idade eu não sei o motivo, mas eu não gostava de cortar cabelo. De toda forma eu sofria o preconceito, quando eu não cortava, ele ficava estilo black power, me chamavam de cabeça de microfone, diziam que eu era o novo Michel Jackson; e quando eu cortava falavam que eu ficava parecendo presidiário. O tom era de zombaria, brincadeira, mas me machucava demais. Eu não gostava, mas não gostava de falar. Eu cheguei a fazer relaxamento. Nossa, foi um processo, até hoje tenho problema com o meu cabelo, mas o aceito muito mais, mas não gosto nem de deixar ele crescer, pois começa a me incomodar”. Afirma Matheus Costa

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