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Artigo de Opinião: problema do suicídio

"No século XIX, o pensador francês Émile Durkheim, considerado o fundador da sociologia, observou que a mortalidade por suicídio era maior em sociedades com laços sociais mais frágeis. A microanálise do contexto atual mostra o mesmo: quanto menos laços sociais fortes uma pessoa tem maior o risco de ela tentar o suicídio."

Foto: ilustrativa.
Rodrigo Tavares Mendonça

Oficialmente, 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. No Brasil, a
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) organiza nacionalmente a campanha Setembro
Amarelo, que tem o objetivo de informar a população sobre a epidemiologia do suicídio para
que todos contribuam para a sua prevenção. E os números informados pela associação
preocupam: nosso país contabiliza 12 mil mortes anuais em decorrência do suicídio e o
mundo, um milhão. Em análise microtemporal, em algum lugar do mundo uma pessoa se
mata a cada 40 segundos e a cada três segundos uma tenta. Pior: os números estão
aumentando ano a ano.

O suicídio é um fenômeno individual e social multicausal, podemos identificar infinitas
causas dependendo da particularidade do nosso ponto de vista. Pretendo não me arriscar na
aventura inadequada de identificar as causas do suicídio, porém distinguir os elementos que
compõem o espectro do comportamento suicida pode contribuir para ampliar o entendimento
sobre o tema.

Primeiro vamos distinguir suicídio de comportamento suicida. O suicídio é o ato consumado de tirar intencionalmente a própria vida. O comportamento suicida aparece antes do ato consumado, é composto por pelo menos duas das três fases: pensamento, plano e tentativa. O pensamento é a vontade abstrata de morrer. O plano é a vontade concreta, aquela que tem o caminho desenhado mentalmente para a consumação do ato. A tentativa constitui-se como um comportamento suicida quando sem sucesso – embora a palavra aqui ganhe uma conotação inadequada. E entra aqui um mito socialmente aceito do suicídio, o de que quem fala em se matar não se mata, só quer chamar a atenção; uma variação do ditado popular “cão que ladra não morde”. Nada mais falso: segundo a ABP, a maioria dos suicidas falaram ou deram sinais de que tentariam consumar o ato. E outra informação: estima-se que 17% da população brasileira já tenha pensado em se matar pelo menos uma vez na vida. Conclusão: o comportamento suicida está presente em nossa sociedade, mesmo que não falemos sobre ele. A informação da ABP sobre os suicidas falarem ou darem sinais de um plano de se matarem não retira a verdade daqueles que acusam muitos dos que tentam o suicídio de, na verdade, quererem chamar a atenção.

Contudo, primeiro devemos considerar que somente chamar a atenção por meio da tentativa de suicídio já é um comportamento preocupante, que realmente merece atenção, embora uma atenção diferente da reclamada. Segundo: o principal fator de risco para uma tentativa de suicídio é uma tentativa anterior (ABP, 2020), ou seja, as pessoas que tentam uma vez costumam tentar de novo. Ainda conforme as informações da ABP, um
terço dos que tentam o suicídio o concretizam posteriormente. E uma informação curiosa: as mortes por suicídio são três vezes maiores entre os homens, porém as tentativas são também três vezes maiores entre as mulheres. Isso significa que as mulheres utilizam o comportamento suicida para chamar a atenção mais do que os homens. Basicamente, acredito que a explicação esteja nas diferenças culturais nos papéis de gênero, que reforçam na mulher comportamentos relacionais, o que favorece a dramatização da vida, e, no homem, comportamentos individuais, o que favorece a valorização da vida privada. Além disso, a impulsividade é um forte fator de risco para o suicídio, e essa característica está presente mais nos homens.

Entre os principais fatores de risco para o suicídio, segundo a ABP, estão a presença de transtornos mentais, especialmente a depressão, a bipolaridade e o abuso de álcool e outras drogas; a juventude, que contempla a idade dos 15 aos 29 anos, e a velhice, acima dos 65 anos; a moradia em áreas urbanas, ou seja, o risco é menor entre os que residem na zona rural; o gênero masculino, por causa das já citadas diferenças culturais (avaliação minha) e da impulsividade; e o isolamento social.

No século XIX, o pensador francês Émile Durkheim, considerado o fundador da sociologia,
observou que a mortalidade por suicídio era maior em sociedades com laços sociais mais frágeis. A microanálise do contexto atual mostra o mesmo: quanto menos laços sociais fortes uma pessoa tem maior o risco de ela tentar o suicídio. Assim, o isolamento social se torna um dos principais fatores de risco para o suicídio, potencializado pela pandemia do novo coronavírus. E esse fator revela uma característica da natureza humana: somos seres sociais. A evolução humana foi construída em conjunto com outros seres humanos ou, em outras palavras, em colaboração com outros seres humanos. O biólogo chileno Humberto Maturana
aponta a cooperação como um fator determinante da filogenia da espécie humana. Os seres humanos dependem uns dos outros para encontrar prazer e sentido na vida.

A filósofa italiana Chiara Lubich, fundadora do grupo católico Movimento dos Focolares,
presenteou a humanidade com um conceito belíssimo: o dom. No pensamento dela, o dom é a
dádiva natural do ser humano, a capacidade que todos têm de contribuir com a vida de uma
outra pessoa. Seja na pobreza ou na riqueza material, sempre temos a capacidade de oferecer
algo ao outro. Podemos ser dom para outro, ou seja, enriquecer a sua vida de prazer e sentido.
A capacidade humana de ser dom para outros seres humanos fortalece os seus laços sociais,
que aparecem aqui como um fundamento da natureza humana. Como dito anteriormente,
somos seres sociais.

Um forte fator protetivo para a prevenção do suicídio, apresentado pela ABP, é a autoestima
alta. O conceito de autoestima se refere, em resumo, às conclusões que uma pessoa chega
sobre a própria identidade, ou seja, se é bonita ou feia, inteligente ou burra, esforçada ou
preguiçosa, capaz ou incapaz, boa ou ruim, interessante ou sem sal. Essas conclusões afetam
a forma como a pessoa se posiciona no mundo. Penso que compreender que somos seres
sociais e que podemos sempre ser dom para os outros pode ser um forte antídoto para a
autoestima baixa e, assim, para a vulnerabilidade ao suicídio.

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal.

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