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O mal psicológico que o remédio causa

Rodrigo Tavares Mendonça

“Não sei, parece que o remédio me deixou boba e eu fui aceitando a situação como estava”.
“Quando minha mãe me estressa demais eu tomo um remédio e vou dormir, aí passa”. “Eu
tomo essa medicação há tantos anos e até hoje estou assim, parece que tenho um problema
muito grave”. Essas três frases me foram ditas por pacientes em minha clínica. O que todas
elas têm o comum? Refletem o fenômeno social atual e historicamente recente que
denominamos de medicalização da vida.

A medicalização da vida é um problema social da contemporaneidade. Inúmeros profissionais
da saúde estão trabalhando para mudar a percepção da sociedade de que a medicação é a
solução para as situações problemáticas do dia a dia. Instituições como o Conselho Federal de
Psicologia, o Conselho Federal de Medicina e o Ministério de Saúde, além de pesquisadores
nacionais e internacionais, resolveram intervir nessa situação.

O médico Dante Senra, colunista do UOL, resumiu bem o processo de medicalização da vida
em um artigo publicado em maio do ano passado: “Atualmente, temos tomado medicamentos
que não precisamos para tratar doenças que não temos. (…) Assim, toma-se Viagra para
melhorar a potência em indivíduos não impotentes, anabolizantes e suplementos em busca do
corpo imaginário, vitaminas sem exames, psicotrópicos para lidar com os problemas
habituais da vida, interrompe-se ciclos menstruais sem indicação médica e isto sem contar os
antidepressivos sem diagnóstico, muitas vezes para supostamente ajudar a lidar com luto,
como se isso fosse possível. Se você chorar na frente de um médico, tem grande chance de
sair da consulta com uma destas receitas.”

Voltando às minhas pacientes, vou agora abordar os efeitos psicológicos da medicalização da
vida. O primeiro que destaco é o sofrimento por sofrer, a crença de que se tem tudo para ser
feliz e que, por isso, devia-se estar feliz. Fica-se triste por estar triste. A pessoa com essa
crença passa a se culpar por vivenciar sentimentos de tristeza ou ansiedade. Não raro,
considera os sentimentos negativos um sinal de fracasso ou de fraqueza. A conclusão lógica
proveniente dessa crença é a de que existe alguma coisa de errado com a pessoa, então a
medicação pode ser a solução. O problema dessa crença, além do duplo sofrimento, está no
que a pessoa não vê: que a sua vida, apesar de poder estar dentro do padrão aceitável para a
sociedade, não está como ela gostaria que estivesse. Assim, em vez de colocar o foco nas
situações problemáticas da vida, pensa-se que o problema é interno.

E esse é o segundo efeito psicológico que quero destacar. Tenho recebido na clínica muitas
pessoas que vivenciam longos casamentos infelizes, que aceitam para manter uma imagem
aceitável para a sociedade, por medo da solidão ou por acreditarem que é o melhor para os
filhos. Essas pessoas vivem uma vida que não querem viver. Então adoecem, desenvolvem
especialmente transtornos depressivos e ansiosos. Porém, em vez de resolverem a situação
problemática, escolhem o caminho mais fácil: um remédio que as fazem acreditar que o
problema está em seu interior, que uma medicação pode fazer com que suporte uma vida que
não quer viver. E, felizmente ou infelizmente, a medicação é capaz de fazer isso, de diminuir
a tristeza e a ansiedade mesmo diante desse tipo de situação. Assim, a pessoa vai suportando
uma situação insuportável, aumentando cada vez mais a dosagem. Até que chega em um
ponto de crise, em que a medicação já não é o suficiente. Geralmente é nesse ponto em que a
psicoterapia aparece como a última solução.

A vivência de um casamento infeliz foi escolhida aqui como um exemplo para inúmeras
outras situações problemáticas que as pessoas vivenciam de forma constante, às vezes mesmo
sem perceberem que vivem uma vida que não querem. A falta de um trabalho com
valorização e sentido, a falta de amizades sólidas, a falta de realizar sonhos, as crenças de
desesperança que incapacitam a pessoa no presente e as impedem inclusive de tentar. Enfim,
são inúmeras as situações insuportáveis que temporariamente se tornam suportáveis por causa
da medicação. O grande problema, nesses casos, é que a medicação retira da pessoa a
motivação para mudar, pois, além de acreditar que o problema é somente interno, faz ela
suportar uma situação insuportável. A crise é um forte fator motivacional para nós, além de
nos mostrarem que alguma coisa não está adequada em nossa vida.

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal.

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