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O coronel e a cruz virada | Artigo

Ilustração

O “Duzinho” morou durante muitos anos próximo da residência do meu tio “Zé Lourenço”. Era fanho mas gostava lá de cantar as suas modas, as quais o tio Zé sempre as acompanhava, ora na sanfona, ora no violão, quando a tia Anésia deixava, é claro. De tempos em tempos o Duzinho sumia. Ia para as terras de São Romão, família de sua mãe, visto que a família de seu pai ele não conhecia. Apesar da morte dos pais e irmãos, todos, por causa da malária e da doença de Chagas, ainda possuía a avó materna e uma prima criada dentro de casa toda a vida.

Duzinho era muito alegre e tinha muita consideração por todas as pessoas. Contudo, conversando com ele há muitos anos atrás, perguntei-o porque ele possuía uma cicatriz profunda na face direita. Aquela cicatriz ia da orelha direita até por debaixo do queixo, larga, com vergão. Talvez o corte tenha sido por demais profundo e a cicatrização não foi feita de forma adequada. Era realmente um quadro muito, muito feio. Perguntei um dia e ele, sorrindo, virou as costas e saiu. No outro dia encontrei-o saindo da Padaria Prado, passando em frente a loja da dona Senhorinha. O Duzinho desta vez se exasperou, abrindo os braços, reclamando, dizendo que eu era muito curioso e que aquilo não era coisa de se perguntar. Pedi a ele desculpas. A esposa do Duzinho, entretanto, um dia, no ‘topa-tudo’ do Toninho do “Vida Animal”, próximo à Rádio Tropical, contou parte da história. O Duzinho era menino, coisa de 13 para 14 anos e trabalhava em uma das fazendas do Coronel, nas proximidades do Coqueiro. Naquela fazenda o Coronel mandou criar algumas éguas que trouxeram para ele de São Paulo e de Petrópolis, Rio de Janeiro. Éguas de raça muito apurada, de muito valor comercial. O menino fora instruído a nunca deixar as porteiras abertas, para que os animais não se misturassem com os outros, que não se sujassem ou comessem grama ou capim, vez que eram alimentados apenas e tão somente pela ração comprada na capital. O pessoal da fazenda estava arrumando tudo para a chegada do Coronel que iria visitar a fazenda pela primeira vez depois que os animais, móveis e utensílio novos foram comprados.

Tudo no lugar, estavam todos à espera do jipe ou da Rural que traria o Coronel. Entretanto, para a má sorte de todos, em especial para Duzinho, eis que um dos cavalos não aguentando ver todas aquelas éguas com o pelo “lisinho”, irrompeu por uma das porteiras mal fechadas, abrindo-a, e deixando que os demais animais se misturassem com as tais éguas caras e bem cuidadas. Para má sorte dobrada, irrompe na parte de cima da estrada o tal jipe trazendo o Coronel e mais dois chefes da Usina. Ante a bagunça que se instalou no primeiro campo dos cavalos, vendo que muita gente estava a separar as éguas dos cavalos e das outras éguas, o Coronel vai até a segunda porteira. O Duzinho, menino vem para se explicar com o Coronel, subindo na porteira. Quando a ultrapassou para o lado de onde o Coronel estava, recebeu uma “reiada”. Com o impacto caiu com o rosto sobre uma das tramelas da porteira, o que causou o tal corte em seu rosto. O menino foi colocado dentro do jipe e levado para a Santa Casa em Lagoa da Prata, tendo o tal corte sido remediado da forma como poderiam fazer ante a falta de recursos. Os pais do menino receberam terra, casa e algum dinheiro para começar a vida. O Duzinho ganhou o horroroso corte no rosto. O corte tomou forma de uma cruz virada e as pessoas mais velhas tinham receio dele. Ficou marcado para o resto da vida por causa desse infortúnio. Apesar dos risos e do jeito alegre, a esposa sempre diz que ele possui imenso rancor, tendo inclusive tentado se vingar várias vezes, mas sem sucesso. Histórias que o povo conta…

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