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Não sei quem, mas o apelido é “Serrote”

Bom, me contaram a história, mas infelizmente eu não consegui contato com o personagem principal para providenciar autorização para divulgação.

Infelizmente, contá-la-ei sem citar nomes para evitar qualquer tipo de aborrecimento. Mas se me perguntarem os nomes, di-los-ei, pois o caso não envergonha ninguém.

Eis que passam os anos de início da década de 90 em Lagoa da Prata. E a vida não estava fácil para ninguém. A Usina, numa peleja danada visando fugir da crise vivenciada pelo álcool e retoma sua produção de açúcar, a preço baixo, com ameaças de paralisações marcadas por ações do sindicato. O pau havia quebrado por causa da greve e a empresa começou a fazer retaliações, como era de se esperar.

Os salários melhoraram um pouco, mas as condições de trabalho já não eram tão boas. A Embaré também não vivia um grande momento por causa de dificuldades impostas pelo Governo Federal, e as turbulências por causa das especulações sobre um possível impeachment do Presidente Collor e seus capangas.

Lagoa da Prata vivia momentos de muita ansiedade no comércio e mudanças no setor público, numa guerra declarada entre PMDB e PT, cuja tensão se fazia notar nas ruas da cidade.

Certo motorista de ônibus da Usina Luciânia, neste dia estava mais nervoso do que o de costume. Era negro, alto, forte, e sua barba grande o tornava uma figura curiosa e admirável. Mas era nervoso. Nervoso feito o quê! Não havia nenhuma alma viva que não sentisse medo perto daquela figura notável. Seus braços eram duas toras de madeira. Sua camisa aberta transparecia uma figura volumosa: era gordo, imponente. E estava com raiva.

Todos os dias, na hora do almoço, o homem vinha pela rua Modesto Gomes e num ponto de ônibus ali existente, nas proximidades onde hoje é uma farmácia, apanhava as marmitas, os almoços dos trabalhadores. E ao virar a esquina, todos os dias, tinha problemas para manobrar o ônibus devido as carroças que ficavam ali paradas. Todos os dias dava problema.

E o nosso homem já estava perdendo a paciência, apesar de nunca ter levantado a voz ou falado nada com ninguém. Ficava só resmungando, e ouvia calado os xingamentos dos carroceiros, a maioria mal educados mesmo, pois além de estacionarem as carroças de forma indevida, fingiam não perceber a espera do pobre motorista em alcançar a graça e a misericórdia dos carroceiros em retirar as carroças de parte da via, estreita por sinal, para que o nosso homem passasse conduzindo o seu ônibus. E todo dia, estresse e xingamentos. Nesta data foi diferente.

O homem estava nervoso demais. Passava marcha com força e de maneira desordenada. Já estava aposentado e cansado daquele ‘batidão’ enfrentado todos os dias. Os filhos já estavam criados, casa própria, carrinho usado, mas com aspecto de novo. Salário de aposentadoria na Caixa. Não queria mais estar trabalhando mas por um motivo aí qualquer, continuava a sua labuta. Nesta data todos perceberam. O homem não estava bem.

Olhos arregalados, rosto de quem não havia dormido na noite anterior, boca aberta e respiração ofegante.

Na esquina da Pracinha do Cruzeiro, pegou as marmitas e os almoços de todos no ponto e virou a esquina. Virou a esquina do jeito que ele veio e o improvável aconteceu. Acertou a primeira carroça mandando-a para os ares. O carroceiro que dentro dela dormia caiu no meio da praça, no meio do capim. A segunda carroça mandou o carroceiro no passeio. O parabrisa do ônibus quebrou uma de suas partes, a direita.

Os cavalos saíram em disparada, sentido Padaria Prado, arrastando as rodas e as tábuas que haviam sobrado inteiras, agarradas aos braços das carroças. Os carroceiros ficaram para trás xingando.

O nosso motorista, depois de acender um cigarro, deu duas ou três risadas e rumou para a Usina. Chegou à portaria, auxiliou os trabalhadores na colheita das marmitas e adentrou na portaria do prédio. Ninguém, e eu disse ninguém se atreveu a falar nada com o homem. Nem que ele estava certo, nem que ele estava errado. A PM foi chamada e compareceu o “BatMendonça”, o Sargento Mendonça que foi fazer a ocorrência.

Os chefes da Usina, já conhecedores da situação, mandaram fazer carroças novas na marcenaria da Usina que ao lado da mecânica nestes tempos funcionava. O “Barriga Verde” deu o seu jeito e pôs-se a concertar o parabrisa e a lateral do ônibus que haviam se estragado.

E quanto ao motorista? Nada aconteceu. Deram a ele outro ônibus, mais novo, mais moderno, e ele continuou trabalhando na Usina durante mais dois ou três anos.

O ponto dos carroceiros então, ninguém sabe por que (?) mudou-se para a esquina entre as ruas Santo Antonio do Monte e Alexandre Bernardes Primo. E nunca mais nenhuma carroça fez ponto na Praça do Cruzeiro.

Histórias que o povo conta…

IJR/

Isaías Ribeiro é Polícia Militar, instrutor do Proerd e músico.
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