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Mineiridade: política e mito

Pesquisador da Fundação João Pinheiro [email protected]

Mito, na linguagem cotidiana, é sinônimo de falso, inverdade, sem fundamento. Comer manga e tomar leite faz mal. Verdade ou mito?

Na antropologia, na história, na psicanálise aprende-se, no entanto, que mitos são construções dos homens, em diferentes épocas, lugares e estágios de sua evolução, a que se recorre para “explicar o inexplicável”, para simbolizar. No limite, e neste mesmo sentido, Freud nos mostrou que mito pode até mesmo ser uma construção científica, como no caso do seu “Totem e Tabu”.

A força do mito, sua funcionalidade, pode atravessar séculos e culturas, como no caso, talvez o mais eloquente, da mitologia grega. Hoje, e sempre, estaremos confrontados com Édipo. Hoje, e sempre, estaremos confrontados com Narciso e Medéia.

Nestes sentidos, o que se pode entender, ainda hoje, por “mito da mineiridade”? Mídia, intelectuais, escritores, acadêmicos, políticos, claro, principalmente os políticos, são transmissores de uma mistificação, uma inverdade (comer manga e tomar leite faz mal), um recurso retórico legitimador das elites locais, ou de uma construção histórico-social que simboliza, narra, explica uma identidade histórica e sócio-cultural específica, o ser mineiro?

Mineiramente, e aqui já nos invade o “mito da mineiridade” em sua versão mais folclórica, se poderia responder que é tudo isso. Mas, neste caso, e como de hábito, o “mito da mineiridade”, nesta sua versão folclórica, parece ter a única função de “não explicar”, “não se explicar”, ou de não se comprometer sempre que nos defrontamos com situações limites e questões cruciais.

“Nem contra nem a favor, muito antes pelo contrário” pode até significar, para muitos, esperteza, matreirice, sabedoria, mas será sempre, e antes de tudo, tradução “mitológica” de uma cultura política que preza o “não comprometimento”, o “não confronto”, enfim, o “não me comprometas”, como prática .

“Minas, pátria da liberdade e dos liberais” não combina com Pedro Aleixo na vice-presidência de Costa e Silva, JK endossando a reforma constitucional e “eleição indireta” de Castelo Branco em 64, Alkmin e Milton Campos ministros do primeiro governo militar. Para citar apenas algumas dificuldades de enquadramento da realidade na mitologia.

Nestes casos, mesmo que o “mito da mineiridade” seja um pouco de tudo aquilo, é necessário que se investigue um pouco mais. Que se explicite o que lhe é ponderante. Que se explicite o vetor final, ou vetores finais, a que o discurso está submetido ou, dito de outra forma, que funções fundamentais o discurso da mineiridade exerce, assumindo, desde já, que ele não configurou e não configura um mito.

Nas poucas vezes em que estas espinhosas questões são abordadas, opta-se pelo seu fatiamento, buscando, neste processo de construção de um “discurso da mineiridade” aquilo que nos é aportado pela literatura, e pelas artes em geral, pela ação dos políticos mineiros, pela ação dos republicanos brasileiros, pela mídia, pelos regionalismos da história de Minas etc.

Carecemos de uma abordagem crítica e integradora da construção do discurso, mito e/ou mistificação. Isto talvez tenha contribuído para sua longevidade, não obstante suas disfuncionalidades e decrepitudes, crescentes.

Num momento de aguda crise politica, econômica e ética que atravessamos, há, portanto, que se fazer este esforço integrador e crítico do discurso da mineiridade. Na tormenta que já está anunciada, nossas elites, intelectuais, políticos, mídia, etc, certamente já se posicionam, à esquerda, ao centro ou à direita, escoradas no mesmo e surrado “discurso-mito-mistificação”da mineiridade. Diante da sua crescente disfuncionalidade, dos seus vetores mistificadores, do seu anacronismo, no entanto, faz-se necessário, de nossa parte, olhos e ouvidos menos desavisados, mais alertas, muito mais atentos e dispostos a responder, sem hesitações: afinal, esta estória de que leite com manga faz mal, é mesmo mito ou é verdade?

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