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Martins Guimarães: destino turístico e alvo de especulações imobiliárias podem comprometer o distrito

Novas construções e a presença de visitantes podem comprometer setores como o saneamento básico, segurança pública, e acarretar a expansão descontrolada de loteamentos imobiliários, modificando a paisagem local.

Foto: Conheça Minas/Reprodução
Rhaiane Carvalho
Karine Pires

Martins Guimarães é um distrito de Lagoa da Prata com cerca de 400 moradores. As cores, pontos turísticos e a calmaria vêm chamando a atenção de turistas e o investimento de novos moradores e até casas de temporada, fatos que têm preocupado moradores antigos. A vinda de turistas e novos moradores pode alavancar a economia local, mas se o distrito não possuir estrutura podem ter diversos fatores e áreas comprometidas como o saneamento básico, expansão descontrolada de loteamentos imobiliários, modificação da paisagem, comprometimento na segurança pública, dentre outros.

A reportagem do Jornal Cidade conversou com alguns moradores, que falaram sobre suas preocupações.
O senhor José da Costa Bessas, 65 anos, foi morar em Martins Guimarães ainda menino. Ele disse que muitas coisas mudaram com o tempo.

“A condição de vida melhorou muito. Aqui o tempo passa devagar pra nós. Mas de uns tempos pra cá ‘tá’ cheio de gente, o povo vem andar de bicicleta, vem ver as casinhas, beber cerveja, e colocam música. Isso atrapalha um pouco nosso sossego. O povo tem comprado lote também pra construir e aí começa o movimento e barulho de construção. Vai mudando as coisas, o jeitinho de Martins de antes”.

A agricultora Vanderleia Moraes, tem 54 anos. Ela nasceu e mora em Martins Guimarães e disse que para ela, as novas construções não prejudicaram, o local ainda possui poucas casas, mas que a presença de turistas acaba atrapalhando um pouco. “Pra mim, as construções não prejudicaram. São poucas casas, mas os comércios são os mesmos. A identidade não mudou, mas perde um pouco da essência, pois vêm pessoas com cultura diferentes. Acho que o prefeito pode fazer muito pra quem mora aqui”.

Foto: Conheça Minas/Reprodução

Morador de Martins Guimarães há um ano e meio, o administrador Carlos Alberto Latalisa de Oliveira, disse que tem notado um crescimento de construções civis no local e a necessidade de mais investimentos. “Não percebo insatisfações por parte dos nativos, mas poderia melhorar a segurança, colocar uma rotatória para acesso ao distrito, funcionário fixo para a limpeza da cidade, médico plantonista em uma UPA 24 horas”.

Segundo a Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Lagoa da Prata, por meio dos secretário de Obras e Urbanismo, Reginaldo Henrique dos Santos, secretário de Cultura e Turismo, Daniel Ribeiro de Melo, secretário de Transporte, Limpeza e Urbano, Anderson Rodrigues Andrade, responsáveis por gerir o distrito, o local chama atenção de turistas e investidores por diversos motivos.

“O que pode chamar a atenção é a estrutura de sociedade já formada na localidade como comércios, departamentos públicos, característica calma, aconchegante e bonita. Também pode ser por ter infraestrutura nas localidades escriturados como terreno rural, no qual o imposto incidente é menor, gerando assim especulação imobiliária imaginando uma valorização futura dos imóveis, agravando também a desordem das construções uma vez que, não regularizado, o município não tem o poder de legislar sobre imóvel rural”.

A assessoria ainda acrescentou que um dos principais fatores que pode gerar a gentrificação no local é a especulação imobiliária.

“Um problema que a própria situação de irregularidade das propriedades ajuda a agravar, uma vez que para terrenos irregulares seu valor comercial é inferior. Como a Prefeitura é o poder executivo, o máximo que podemos fazer é auxiliar o poder legislativo para a criação de leis de uso e ocupação do solo da área em questão. Sabemos da necessidade de estudo da área pelo olhar da conservação histórica. Este estudo deverá ser encaminhado ao Conselho da Cidade, uma vez que este tem o poder de deliberar sobre as políticas urbanas municipais, para que seja elaborado a proposta de diretrizes urbanas do uso e ocupação da área para que possamos encaminhar à Câmara de Vereadores”, informou.

Também foi questionado o motivo do distrito não ter um Plano Diretor para assegurar seus moradores em diversos aspectos. Segundo a Assessoria, a Lei Municipal 176/2017, no artigo 86 exclui como zona rural o perímetro urbano da cidade e o ocupado pelo referido Distrito.

“Ocorre que, para definição do texto desta lei, existe um mapa que determina as áreas, que chamamos de zonas urbanas, e na criação da legislação pertinente não foi elaborado tal mapa para a área em questão. Precisamos levar em conta um ponto importante para determinar as diretrizes urbanísticas desta área: a maior parte das propriedades existentes são de posseiros, logo, os terrenos fazem parte de uma gleba rural e o poder municipal pode legislar apenas sobre o que é considerado urbano. Para isso acontecer, precisamos regularizar esses lotes. Houve uma tentativa de criação do mapa de zoneamento, solicitado pela Secretaria de Obras como contrapartida para aprovação de um loteamento em Martins entre 2016/2017, porém foi recusado pela Câmara dos Vereadores, uma vez que os próprios moradores da área fizeram pressão para que nada fosse regularizado”.

Outro ponto questionado pela reportagem é se o distrito possui estrutura para receber novas construções como tem ocorrido. “As infraestruturas básicas necessárias para a utilização do espaço consideradas públicas são saneamento básico e energia elétrica. Todos esses serviços devem ser atualizados de acordo com a demanda. Em relação a drenagem pluvial, até o momento não foi encontrado necessidade de realização de obras de galerias para que esse processo aconteça, sendo realizado, por enquanto, apenas pelas sarjetas. Em relação ao fornecimento de energia elétrica essa demanda é atendida pela concessionária licenciada no Estado de Minas”, explicou.

Foto: Conheça Minas/Reprodução

A reportagem também entrou em contato com Câmara Municipal de Lagoa da Prata, para saber se há algum projeto para a criação de mapa de zoneamento para regularizar os lotes em Martins Guimarães. De acordo com o assessor jurídico da casa, Jaime Júnior, já houve tentativas para estabelecer este projeto na Câmara, mas por ser polêmico, foi rejeitado ou retirado. “Martins Guimarães, naquela parte antiga, central, pela Lei Orgânica do Município, é considerado área urbana. No entanto, não há delimitação deste zoneamento. Isso dificulta a separação dos imóveis urbanos dos rurais. De uma forma geral, estas construções que estão sendo feitas devem estar na zona rural. Em tese, o parcelamento do solo rural para fins urbanos é proibido. Alguns anos atrás tentaram delimitar o perímetro urbano de Martins Guimarães, justamente para se permitir este parcelamento, mas como fizeram o mapa muito extenso, abrangendo imóveis de pessoas que não queriam transformar seus imóveis de rurais para urbanos, isso acabou gerando polêmica e o projeto foi retirado ou rejeitado”.

Ele ainda acrescentou que talvez o Projeto de Lei sobre o Chacreamento, que está na Câmara possa alcançar Martins Guimarães, mas não necessariamente. “Não tem na Câmara projeto tratando desta questão específica de Martins Guimarães”, explicou.

Foto: Conheça Minas/Reprodução

De acordo com arquiteto Carlos Brasil Guadalupe, a necessidade de regularização dos lotes é de extrema importância. “Calçamento, rede de esgoto, e afins, a Prefeitura faz, mas está meio parado por não ter lei específica para o lugar. Por exemplo, não tem como fazer loteamento lá por não ter lei específica. Então tinha que desenvolver mais. As pessoas que têm condições compraram lotes lá e estão construindo casas boas. Isso está despertando o interesse das pessoas e isso é bom. Deveria ter um Plano Diretor pra regularizar a situação lá, pois as pessoas não têm as escrituras dos loteamentos, é tudo promessa de compra e venda”.

Ele ainda acrescentou que a gentrificação urbana possa estar acontecendo no distrito. “Pode ser que isso realmente esteja acontecendo, pois tem muita gente com dinheiro interessada em construir lá. Então, é muito importante que se tenha leis para as pessoas seguirem. Por exemplo, no ano passado, o ex-secretário de Cultura, queria transformar Martins numa Tiradentes, lugar histórico, onde não se pode mudar a arquitetura. E acho que isso pega bem pra preservar a pracinha, a igreja e as construções como são. Tem muita coisa pra ser feita como a rede esgoto, que foi feita, mas já ficou pequena”, afirmou.

Gentrificação
Foto: Conheça Minas/Reprodução

O termo surgiu nos anos 60, em Londres, quando vários gentriers migraram para um bairro que, até então, abrigava a classe trabalhadora. Este movimento disparou o preço imobiliário do lugar, acabando por “expulsar” os antigos moradores para acomodar confortavelmente os novos donos do pedaço. O evento foi chamado de gentrification, que numa tradução literal, poderia ser entendida como o processo de enobrecimento, aburguesamento ou elitização de uma área.

De uma forma simples, a gentrificação urbana pode ser resumida apenas imaginando que de um tempo para cá, a estrutura de um determinado bairro melhorou muito: aumentou a segurança pública e agora há parques, iluminação, ciclovias, novas linhas de transporte, ruas reformadas, variedade de comércio, restaurantes, bares, feiras de rua. Uma verdadeira revolução que traria muitos benefícios para os moradores da região, exceto que eles não podem mais morar ali. E que, depois de todos esses melhoramentos, o valor do aluguel dobrou, a conta de luz triplicou e as idas semanais ao mercadinho da esquina ficaram cada vez mais caras, ou seja, junto com toda a melhora, o custo de vida subiu tanto que não cabe mais no orçamento dos atuais moradores. E o mais cruel de tudo é perceber que, enquanto o antigo morador procura um novo bairro, pessoas de maior poder aquisitivo estão indo morar no seu lugar.

O turismo local e seus possíveis efeitos
Foto: Conheça Minas/Reprodução

O turismo é uma atividade econômica fundamental para muitas regiões, assim como no Distrito de Martins Guimarães. Além de gerarem empregos e renda, as operações do setor fortalecem empreendedores locais e valorizam a cultura e as tradições da comunidade. No entanto, existem muitos casos em que os impactos ambientais e sociais do turismo não são positivos.

Segundo a bióloga Luciana do Carmo, que também é formada em Turismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) alguns critérios devem ser observados para se concretizar os danos que turistas podem acarretar nos locais visitados.

“Como é possível perceber, nem sempre os prejuízos são óbvios, mas a exploração turística irresponsável traz enormes danos aos recursos naturais e à comunidade local como por exemplo o desmatamento de áreas com vegetação nativa para construção de hotéis e outros complexos de lazer; infraestrutura precária de saneamento básico, que contribui para a poluição das águas e do lençol freático, levando a contaminação a atingir áreas ainda maiores; carência de sistemas organizados de coleta seletiva, que faz com que diversos resíduos, como canudos, garrafas e copos plásticos, sejam descartados de forma irresponsável na natureza; construção de represas e tanques destinados à piscicultura, que interferem no curso natural dos rios e levam à pesca irresponsável; falta de valorização da cultura, gastronomia e artesanato regionais; descaracterização e desvalorização de comunidades locais”.

Conservação histórica das antigas estações ferroviárias
Foto: Conheça Minas/Reprodução

De acordo com secretaria de Cultura e Turismo Daniel Ribeiro, no início do ano a equipe da Secretaria de Cultura e Turismo, junto à equipe da Secretaria de Obras foram avaliar de forma prévia como está o estado de conservação do prédio da antiga estação ferroviária de Martins Guimarães. “De acordo com a equipe da Secretaria de Obras, pouca coisa pode ser reaproveitada na estrutura, que está em estado muito ruim de conservação. Com estudos iniciais, os gastos e investimentos ficariam em torno de R$ 350 mil. Lembrando que, ainda não foi feito estudo aprofundado do que deve ser realmente realizado. O local foi cedido ao poder público municipal pela Rede Ferroviária por vinte anos, renováveis por mais vinte anos”.

Daniel Ribeiro ainda acrescentou que, conforme verificado em documento fornecido pelo Ministério Público, o imóvel necessita receber reformas e restaurações. “E é de suma importância ter uma sala para homenagear a Rede Ferroviária – tipo um memorial; sendo isso pré estabelecido pela rede para que haja a concessão. Outras ideias que podem ser realizadas é montar um centro de referência do turista e visitantes, biblioteca e até um pequeno centro cultural, para receber atividades. Uma das cláusulas cita a possibilidade que o imóvel possa ter investimentos da iniciativa privada. Hoje a secretaria tem em caixa o valor de R$ 300 mil para a reforma e restauração das duas estações ferroviárias pertencentes ao município. Esse valor não é suficiente para executar todos os reparos necessários. Como a demanda da Secretaria de Obras é muito grande, ainda estamos estudando a melhor forma de realizar essas melhorias nas duas estações, e dê a ambas o melhor uso possível com atividades voltadas para a educação, cultura e turismo”, explicou o secretário.

O distrito
Foto: Conheça Minas/Divulgação

A história do distrito começou no início do século XX com a chegada da Estrada de Ferro Oeste de Minas, que ligava Belo Horizonte à Garças, distrito de Iguatama, no Oeste de Minas. A ferrovia foi aberta entre 1911 e 1916, transportando carga e passageiros. A estação de trem de Martins Guimarães, segundo os moradores, foi inaugurada em 1914. Até hoje o trem circula pelos trilhos do distrito, transportando somente cargas. O transporte de passageiros foi encerrado no início da década de 1990. Antes de a estação ser construída, o nome Martins Guimarães já existia por apropriação do nome de um viajante, que vendia materiais essenciais para os que ali moravam, e vendo que o local poderia render bons frutos, montou então no vilarejo uma pequena venda. O nome dele era Martins Guimarães.

Com a chegada do trem, a construção da estação, bem como a venda, o povoado começou a crescer. Casarões em estilo barroco do século XIX começaram a ser erguidos e outros em estilo eclético, característicos do início do século XX. Com o fim do trem de passageiros, o distrito sofreu uma estagnação, se reerguendo com a instalação da indústria de cosmético e com a vinda de novos moradores, principalmente de Lagoa da Prata, que começaram a construir casas no distrito para descanso de fins de semana ou mesmo fixar residência, já que a distância do distrito para Lagoa da Prata é de 30 km, com estrada pavimentada.

Percebendo a presença constante de visitantes e turistas, que vinham ao distrito para participarem de eventos religiosos e sociais, alguns moradores de Martins Guimarães sentiram a necessidade de melhorar ainda mais a vila. Foi com a união da comunidade que o distrito começou a ter mudanças, principalmente na recuperação do casario, com cores vivas, sobressaindo a beleza do conjunto arquitetônico. A partir disso, os moradores foram incentivados a cuidar das residências, restaurando suas cores originais, melhorando a calçada, cuidando da rua e da comunidade.

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