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José Antônio – A benzedeira e a televisão

A gente morava lá na roça e veio para a cidade, mas não tínhamos muito costume de ir à Missa não, na verdade não tinha muito costume de rezar. Rezava, mas dava uma “sapecada” ali mais ou menos na oração, né? Era uma vida da casa para o serviço, do serviço para a casa. E fui crescendo ali naquele ritmo. Naquela época a gente procurava era um benzedor ou benzedeira.  E eu não podia ver uma benzedeira que já queria me benzer.

Tinha a dona Divina, dona Zica, o seu João Mané Sanfoneiro também, eu não podia vê o Seu João Mané, que rezava nas esquinas mesmo. Sempre que eu encontrava com ele dizia: – Seu João passa uma “benzição” aqui que “tô” sentindo carregado. E ele corria uma “benzição”, o que eu achava engraçado é que tinha umas benzedeiras que arrumava um copo d’água e pegava uns “carvãozim” seco, e falam assim:  – Oh, Zé Antônio eu vou “pô o carvãozim” aqui e se ele afundar é que o “trem tá feio pro” seu lado mesmo, antes dela por o “carvãozim” o “trem já tava afundano”, Nossa Senhora! O “trem” tava feio. Outras arrumavam um “gaizim” de funcho e colocava ali no copo d’água e se esse “gaizim” murchar é porque “ocê Zé Antonio, tá no bico do urubu” mesmo. Ah, era o “gaizim” chegar perto do copo que ele já “escanhotava” para uma banda, o “trem ta feio mesmo pro” meu lado.

Mas uma certa vez essa dona Divina, disse para mim assim “ó”: Oh Zé Antonio, “cê” tem costume de assistir televisão? E eu disse: – Uai, na casa dos outros eu tenho, porque lá em casa não tem. Ela falou assim: Uai, é que aqui “ta mostrano” que “cê tá assitino”  televisão demais. “Ce tá”  com as vistas boas? Uai, dona Divina eu “tô com tudo ruim, as vistas “ruim”, os ouvidos ruim, sentino assim, como se diz o caso do outro, eu to sentindo até cambeta, de tanto que eu to “sentino carregado” precisando de uma “benzição” dona Divina. Mas esse negócio de televisão eu não “tô” sentindo falta disso não dona Divina, porque quando eu vou assistir na casa dos outros eles me mandam sentar é no chão que não pode sentar no sofá. Aí ela encheu o copo d’água mai um “cadim” e falou: “Tô” vendo aqui… pegou um “gaizim” de arruda mandou eu colocar atrás da orelha e aquilo começou a cheirar ruim atrás da minha orelha e eu falei assim: Ah, meu Deus do céu onde eu vim amarrar a minha “éguinha”.

Volta e meia ela pegava um “gaizim” de arruda colocava dentro desse copo d’água, e “ta benzeno, tá rezano”, começou dar uns “rupiótes”  na  “véia”, e eu ali, de repente ela virou para mim e falou: olha, lá dentro do copo d’água eu quero te mostrar, “ocê vai ver uma televisão ligada. Aí eu pensei, uai, ver uma televisão ligada dentro de um copo, que “trem isturdi” , rapaz e não é na hora que ela levantou o copo eu “bati o oio” assim, no meio dos “gaizim” de arruda eu vi uma televisão com uma imagem “azulinha” igualzinho a imagem que eu assistia na televisão na casa do “Zé Pretim” e da Geralda do Zé Juca.

E eu disse: – Gente do céu! Eu “to” vendo a televisão mesmo, dona Divina. Pois é, é isso que “tá deixano ocê” carregado, “ocê ta veno” televisão demais.  Então tua vida está assim ruim, embaraçada Zé Antônio, “ocê” é um menino até “espivitado”, mas parece que está assim meio “borocochô” mesmo. E eu falei com ela assim: “uai dona Divina, eu vou lá só para assistir Os Trapalhões, domingo é que eu gosto, mas é uma vez ou outra dona Divina.

É isso mesmo Zé Antônio, “ocê” pode dar um jeito que isso não está fazendo bem “pro cê” não. Eu falei, mas que “trem petecado” é esse aí. E saí da casa dela, que é no bairro Dom Bosco, com os olhos meio embaçado, aquele trem esquisito. Cheguei em casa e contei minha mãe e ela assim religiosa de um espalha e raiou comigo. “Ocê” fica andando de benzedor em benzedor Zé Antônio? Eu já rezo “pro cê” todo dia, seu avô também é benzedor. Mas meu avô Benedito, benze só cobra. – Não ele benze menino também! Disse a minha mãe, Angélica filha do Benedito benzedor.

Mas meu vô, que era um baianinho ajeitado, benzia só cobra, eu nunca vi um homem benzer cobra desse jeito. “Tava” aparecendo cobra mordendo o gado,  às vezes ele nem precisava ir até a fazenda, de casa mesmo ele benzia, o fazendeiro que escolhia se as cobra aparecia para o ir matando, ou se desaparecia.  Então minha mãe contou meu vô, ele falou: não tem nada disso não, ver televisão no copo com água, primeiro que a televisão queima no copo d’água. E esse “trem” foi virando um assunto “petecado”. Resolveu procurar um outro benzedor,  esse benzedor só benzia mulher, fui lá e ele falou: Não “sô” eu ”tô” com uma dorzinha de cabeça, não ando muito bem. Eu não sou muito de benzer assim, ainda mais um rapazinho igual você Zé Antônio. Eu fui lá para esquina e fiquei “ispiano”a casa dele, o seu Divardi. Nesse meio tempo chegou uma “muié”, passou para dentro. Eu pensei, “uai, esse trem tá meio isquisito”. No outro dia, voltei fiquei na esquina, veio outra “muié”, de dentro de casa ele gritou: Ou, “ocê” não precisa chegar aqui não, que daqui eu benzo “ocê” lá na sua casa. “Cê” vai vê que “cê” vai melhorar.

A mulher disse: não, é que eu “tô” sentindo muito ruim, muito desengonçada, “seu Divardi”. Mas você pode ficar de lá mesmo. Ele benzeu ela lá na casa dela.

No outro dia eu voltei lá, fui saber como é que ele benzia, e vi que as bonita ele passava tudo para dentro, benzia que era uma beleza; mas as feias era só do outro lado da rua e ele já despachava. Menino e homem ele não benzia, ele gostava só das bonitas. Assim foi a nossa vida junto com os “benzedô”.

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