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Dona Norma e o Exame de Direção | Artigo

Imagem: Ilustração/Reprodução da Internet

Conheci a dona Norma e o senhor Geraldo Fernandes em Bom Despacho. Ela era irmã do Sargento Germano e através dele fizemos amizade.

Em conversas, sempre ouvia a dona Norma reclamar que o Geraldo não a levava mais para passear, que ela queria ir nas casas das irmãs dela em Bom Despacho e que o Geraldo não a levava, que queria ir ao supermercado e tinha que aguardar o Geraldo jogar xadrez, joga peteca, ler jornal, conversar com os amigos, jogar truco, almoçar, dormir, ler jornal, assistir tv e depois aguardar sua boa vontade de tirar o carro da garagem para levá-la ao supermercado. Aí a chapinha já tinha desmanchado, perdido o brilho e ela já não queria mais sair. Foi se enervando.

Um dia, conversando com ela, tomando café, perguntei porque ela não dirigia. Ela me disse que quando era jovem, solteira, seu pai lhe ensinou a dirigir mas o Geraldo nunca permitiu. Não tinha carteira. Quem não tem carteira não pode dirigir, disse o Geraldo. Certo.

Então disse à dona Norma que ela poderia tirar carteira, que nada havia que a impedisse de prestar os exames, reaprender e, depois de obtida a carta, poderia dirigir livremente. O senhor Geraldo sorriu, voltando para dentro do seu jornal, aumentando o volume da televisão para ouvir o noticiário.

Dona Norma ficou com aquele rostinho de “menina que iria aprontar alguma coisa”. Passei um dia em frente a sua casa e ela lá estava, com um livrinho de legislação nas mãos, lendo. Gritou para mim, que me encontrava do outro lado da rua, que era difícil. Gritei de volta pra ela que ela ganhou quatro filhos de parto normal, que ganhar filho era muito mais difícil e que ela foi ao hospital quatro vezes e conseguiu, deu tudo certo. Que tirar carteira era muito mais fácil. Ela sorriu.

O senhor Geraldo ria da dona Norma tentando memorizar as placas. Se impacientava: – É cruz de Santo André Norma, é intersecção, Norma, é curva acentuada à esquerda, Norma, é animal selvagem à frente, Norma. E a dona Norma ficou estudando. Depois de dois meses foi até a Polícia Civil para prestar o exame. Não passou. Fez 19 pontos. Mas ficou muito animada, entusiasmada, até.

Anos fora da escola e tira aquela nota? Tava bom demais. Só que dessa vez ela não contou pra ninguém. Continuou estudando. Fez mais aulas, mais aulas, continuou estudando e fez o exame teórico novamente. Passou. Fez 24 pontos.

Iniciou as aulas de direção sem o senhor Geraldo saber. O seu Geraldo ia para a varanda dos fundos dormir, ela saía para as aulas na auto escola.

Fez todas as aulas, conforme manda a legislação. Ainda não estava confiante. Fez mais aulas. Disse que já estava apta a fazer qualquer exame, que ela dominava bem os comandos do veículo. Fez a prova a primeira vez, não passou, fez a segunda, não passou e ficou triste.

Um dia passei em frente à sua casa e ela estava triste, lamentando a pouca sorte.

Dona Norma contou-me que sempre pegava “examinadores gente boa” mas que na hora da prova não conseguia fazer as coisas conforme eles pediam. Outra coisa: dona Norma tinha uma mania que às vezes lhe atrapalhava um pouco. Xingava muito. Xingava palavrão mesmo. Xingava as pessoas na rua, as conhecidas dela. Muita gente ria, muita gente achava ruim, mas era o jeito dela. Ela afirmou que iria tentar mais uma vez.

Disse a ela que iria lá para acompanhar, para dar força, vez que não estava fazendo nada no dia. E assim fiz. A Dulce filha dela, a Elaine, nora, e um outro amigo da família também foi.

Chegou a hora da dona Norma e ela estava alegre e descontraída. A filha disse a ela: – “Mãe, vê se não xinga as pessoas, elas se irritam com a senhora, com esse xingatório todo!” Ela sorriu, dando de ombros, não estava nem aí.

Entrou no carro, saiu certinho, virou a esquina e se foi. Cerca de 10 minutos, talvez 15, retornou, com um sorriso no rosto, saindo do carro com os punhos pro alto.

Perguntei: – “E aí dona Norma, deu certo?”  No que ela respondeu com toda força, aos gritos: – “Ow, viado, Deu certo!”

Fala com esse ‘filha da puta’ do Geraldo que semana que vem é pra ele deixar a chave da desgraça do carro em cima da merda daquela mesa!”, “- Geraldo, filha da puta!”

O seu Geraldo na outra semana foi na concessionária e comprou um VW Up! novinho pra dona Norma. Disse ele que a Norma, com 74 anos, tirar carteira?!, merecia.

Histórias que o povo conta…

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