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Calçada da fama

A tela ficou preta. Os créditos acabaram. Fim da sessão. Sala de cinema vazia, apesar da insistência da menina em querer ficar em sua poltrona até o último instante permitido pelo lanterneiro. Os primos, que a aguardavam do lado de fora, já sabiam o motivo da demora: ela estava chorando, emocionada, por causa do filme. Com olhos marejados, soluços trazidos pela união dos mocinhos que lutaram bravamente para viverem felizes para sempre, a prima mais nova iria repetir uma velha história contada sempre que assistiam a um longa-metragem. Poderia ser drama, comédia romântica, aventura, desenho animado. Ela raramente não se comovia com os desfechos dos personagens. E decorava até as falas para repetir na rodinha dos amigos.

Ainda adolescente era decidida: queria casar e ter filhos. Sem esperar a opinião do futuro marido nem as sugestões que estavam na moda, ela escolhia o nome das crianças após se envolver sentimentalmente com as narrativas cinematográficas. Naquela ocasião, os primos mais velhos já ansiavam para saber qual seria a alternativa da vez. Seria Ariel se tivesse uma filha? Ou Eric, o príncipe encantado da Pequena Sereia, caso nascesse um menino? Muda, ainda enxugando as lágrimas, nada revelou. Na hora do lanche, brincando de mergulhar a batata no ketchup, a tensão e a curiosidade dominando a mesa, ela afirma: “quando eu tiver um filho ele vai se chamar Walt Disney. O cineasta é muito inteligente”. Todos riram. Começava a zoeira. “Será que o cartório vai liberar um nome estrangeiro?”, disse a prima mais velha. “Pode até liberar, mas será que o oficial saberá escrever corretamente? Seu filho vai se chamar é Valdisnei”, ironizou o outro.

Os três se lembraram de outros nomes clássicos de Hollywood, mas iria faltar gente para tantos batizados. A prima mais nova já havia dito que seus filhos se chamariam: Sam, de “Ghost”, interpretado por Patrick Swayze; Kevin Costner, por causa de “O Guarda Costas”; Meg, pois era fã da queridinha da América, a atriz Meg Ryan, em qualquer película que ela atuasse; Jack e Rose, de “Titanic”, caso tivesse gêmeos bivitelinos; Jesse, o jovem americano que vive um romance intenso em “Antes do Amanhecer”; se nascesse loira, Michelle Pfeiffer, por ser uma mulher poderosa; se fosse morena, Demi Moore; Etienne Navarre, o cavaleiro encantador de “O Feitiço de Áquila”, pois a pronúncia das palavras possuía uma sonoridade francesa; Michael, Mary, Noah, Sophia, Peter, John. Não importava: a cada filme, um novo batismo.

Surreal foi a determinação final, quando a prima mais nova, impositiva, resolveu que não haveria nome mais interessante para colocar no primogênito quando ele resolvesse vir ao mundo. Queria que o menino fosse viajado, sabichão, contador de casos, aventureiro.  Em lágrimas, obviamente, encantada com o personagem e com a interpretação de Tom Hanks, saiu do cinema certa de que deveria homenagear o ator chamando o próprio filho de “Forrest Gump”. Os jovens mais velhos não conseguiram parar de rir. Daí em diante só foi gozação. Pararam de brincar quando a menina apelou, sumiu uns dias, após juntos assistirem à saga de uma das baleias mais famosas do cinema. “Se nascer bochechudo e nervoso, seu menino pode se chamar Forrest Free Willy Gump”.

Anos mais tarde, a criança nasceu. Macho com agá. Os mais velhos se telefonaram, angustiados, temerosos do já previsto bullying que o menino iria sofrer na escola, na lista de presença, dos coleguinhas maldosos da rua. Qual o nome esdrúxulo iria acompanhar a vida da criatura que não tinha culpa das loucuras e das paixões cinematográficas da mãe?

O padre disse: “eu te batizo Lucca, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Todos, em coro, aliviados, responderam: “amém”.

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