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Artigo de opinião: A minha visão do amor

Rodrigo Tavares Mendonça

“Se a sua opinião cabe em um ‘sim’ ou um ‘não’ e você não sabe retificar. Se pode
definir o ódio e o amor, amigo, que desilusão. Nem tudo é branco ou preto: é cinza.
Tudo depende da matriz, busque e aprenda a distinguir. A lua pode esquentar e o sol,
acolher suas noites” (Txus di Fellatio). Essa poesia, retirada da música Molinos de
Viento, da banda espanhola Mägo de Oz, resume o que penso sobre o amor e, na
verdade, sobre a nossa capacidade limitada de compreender a realidade. Não existe uma
definição absoluta, “branca ou preta”, do amor. Contudo, proponho-me aqui a
esclarecer esse conceito, produzir um entendimento relativo sobre ele.
Para mim, amar é gostar intensamente. Simples assim. As variações do amor, as
incontáveis formas de senti-lo ou de expressá-lo, devem-se às diferenças nas suas
relações com os seus objetos de amor, não a sua natureza. Amar é gostar intensamente,
essa é a sua organização conceitual. No amor romântico, por exemplo, na construção de
relacionamentos amorosos, o objeto do amor (o que se ama) sofre infinitas variações e
causa perturbações aos casais. Cabe a pergunta: do que exatamente se gosta
intensamente na pessoa amada?

A organização conceitual do amor que proponho aqui afasta definições transcendentes
sobre a natureza do amor. As definições transcendentes são aquelas que idealizam o
amor, que dizem coisas como “o amor é isso ou aquilo”, “quem ama faz isso e não faz
aquilo”, “no amor existe isso e não existe aquilo”. Essas definições afirmam, por
exemplo, que quem ama só quer o bem, não machuca ou ofende, não deseja o mal, não
deseja possuir. Elas são transcendentes porque buscam definir o amor fora do sujeito
que ama. Idealizam o amor, como se ele tivesse uma existência independente. Assim,
ele se torna um ideal a alcançar, não uma realidade presente em nós. Aqui, afasto-me
dessas definições transcendentes. Em oposição, busco uma definição imanente, que só
existe no corpo de quem ama. Essa definição busca entender o amor como ele acontece
na vida real, não como supostamente deveria acontecer, segundo as nossas idealizações.
Mesmo que pareça singular a definição de amor que proponho aqui, ela está presente no
nosso senso comum. Quando gostamos intensamente de uma coisa dizemos que amamos
essa coisa. Quando gostamos intensamente dizemos que amamos trabalhar, ouvir uma
música, viajar, uma pessoa. Em oposição, quando o gostar não é intenso dizemos que só
gostamos. “Eu não amo ele, só gosto”, me disse uma paciente sobre um novo
relacionamento que estava se iniciando.

E o que significa gostar? De forma simples, gostar significa sentir prazer, o que implica
em desejar. Desejamos o que nos concede prazer. Assim, a organização conceitual do
amor pode evoluir para desejar intensamente. Amamos uma pessoa quando gostamos
dela ou a desejamos intensamente. Amamos viajar quando gostamos ou desejamos
intensamente a sua realização. Amamos uma música quando gostamos dela ou
desejamos intensamente ouvi-la. Amamos a humanidade quando gostamos dela ou
desejamos intensamente o seu bem.

Aqui, ao enfatizar o amor pela humanidade, que poderia também ser por outro objeto
abstrato, como a natureza, introduzo uma definição de amor costumeiramente usada de
forma transcendente: o amor como querer o bem. Porém o amor, enquanto organização
conceitual, não comporta o bem ou o mal. Amar é gostar ou desejar intensamente, seja
o bem ou o mal. Contudo, a moralidade é uma consequência do amor. Quando amamos
uma pessoa ou coisa queremos preservá-la, e preservar é querer o bem. Por outro lado,
destruir é querer o mal.

Consensualmente, distinguimos na linguagem o amor e o ódio. Amar é desejar o bem,
querer preservar, enquanto odiar é desejar o mal, querer destruir. Em minha visão,
essa é uma distinção meramente moral do amor. Assim, o ódio não é o oposto do amor,
é a sua manifestação moralmente negativa. É a sua outra face. Então, odiar é não
gostar, sentir desprazer ou desejar intensamente o mal. Odiamos uma pessoa quando
não gostamos dela ou desejamos intensamente o seu mal. Odiamos a humanidade
quando não gostamos dela ou desejamos intensamente o seu mal. Essa distinção me
parece importante porque ela nos permite entender que em uma relação de amor
existem tanto manifestações de amor, como o carinho, quanto de ódio, como a violência.
O que muda não é a natureza do amor (gostar ou desejar intensamente), mas a sua
relação com o seu objeto (querer o bem ou querer o mal).

Definidos assim o amor e o ódio, voltamos agora para a pergunta do segundo
parágrafo: do que exatamente se gosta na pessoa amada? Os relacionamentos amorosos
são complexos por causa da indefinição sobre o que se gosta exatamente em uma
pessoa. Construir um relacionamento, compartilhar uma vida exige a inter-relação de
muitas características. Contudo, a pessoa pode amar uma característica no seu par e
não amar (ou mesmo odiar) outra característica essencial para uma vida a dois.
Exemplo: um paciente meu ama a segurança que a sua agora ex-esposa oferecia a ele,
isso a faz desejá-la intensamente, porém ele não amava a sua companhia no dia a dia,
os seus assuntos e interesses; assim, a relação de amizade não existia de verdade. O
desejo (ou amor) por segurança nutre a sua vontade de retomar o casamento, enquanto
o seu não gostar dos assuntos dele nutre a sua vontade de continuar separado. Ele ama
e não ama a ex-esposa ao mesmo tempo, ou seja, ama uma característica dela e não ama outra. Contudo, a construção de um relacionamento exige o amor a todas as características essenciais de uma vida a dois.
O dilema desse paciente se repete cotidianamente em muitos relacionamentos.

Uma pessoa pode amar a conexão sexual que tem com o seu companheiro, porém odiar a sua
falta de companheirismo, que lhe causa insegurança constante. Tendo a mesma
natureza, o amor e o ódio existem simultaneamente nos relacionamentos amorosos. É
importante entender exatamente o que se ama e o que não se ama em uma pessoa para
avaliar a possibilidade real de construção de um relacionamento. O amor somente a
algumas características essenciais de uma vida a dois é uma receita para o seu fracasso
em médio ou longo prazo. O desprazer ou mesmo o ódio podem crescer na falta do
amor. E, como disse o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica em seu discurso de
despedida da vida política: “O ódio é cego como o amor, mas o amor é criativo, e o ódio
nos destrói.”

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal

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