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Artigo: A divina infantilização da política

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contatos: (37) 99924-2528 e [email protected]

O pensamento científico sofreu uma profunda transformação em meados do século passado, após o surgimento da epistemologia sistêmica. Três pressupostos que orientavam as pesquisas e as teorias consideradas científicas foram revirados de cabeça para baixo. Um deles, o da simplicidade, foi substituído pelo da complexidade. O pressuposto da simplicidade diz ao cientista, entre outras coisas, para simplificar o objeto de estudo, separar as variáveis e eliminar contradições. Já o pressuposto da complexidade, adotado com especial ênfase pelas ciências humanas, orienta-o a fazer o oposto, ou seja, complexificar o objeto de estudo, manter a conexão entre as variáveis e conviver com contradições. Essa última orientação, conviver com contradições, que subverte até mesmo uma lei da lógica, é a que mais nos interessa aqui. Conviver com contradições é aceitar a complexidade do mundo.

Para tornar inteligível o mundo, algumas pessoas o simplificam demais. Enrijecem opiniões e creem sem questionar na verdade e na mentira, no certo e no errado. O mundo se torna polarizado: existem os que estão do lado da verdade, do certo, de deus e os outros, que servem à mentira, ao errado e ao demônio. Tudo muito simples. A partir daí, o que nos resta é escolher o lado certo e lutar contra o errado, impedir que ele vença e, moralizando o discurso, influencie as novas gerações. Assim são os evangélicos fundamentalistas na política. Eles acham que estão do lado da verdade, do certo e de deus. Lutam contra tudo e contra todos para não deixar o mundo cair nas mãos do demônio. Para eles, existem apenas dois lados. Acabam simplificando excessivamente o mundo, infantilizam a política.

Entretanto, o mundo e a política são complexos demais para serem reduzidos a simplificações populistas. Em política, a questão em pauta não é a verdade. Não se trata de descobrir qual candidato está mais próximo da verdade ou do certo. Reduções como essas ganham as massas que evitam o pensamento crítico. Não à toa Crivella foi eleito pelos evangélicos e pelas pessoas mais pobres do Rio, aquelas com menos educação formal. O discurso fundamentalista é sedutor para quem não pensa criticamente, não enxerga a complexidade do mundo. Como antídoto para essa simplificação, é preciso compreender que, na política, geralmente todas as pautas têm suas verdades e estão certas em vários pontos. A questão essencial se refere aos interesses que essas verdades atendem. Quem ganha e quem perde?

Como na vida, não há neutralidade na política. É necessário sempre escolher um lado. A crença na verdade obscurece a impossibilidade de ser neutro, imparcial, objetivo. O congelamento parcial de investimentos sociais e do salário mínimo, por exemplo, principal proposta do governo Temer, está certa e errada ao mesmo tempo. Aceitar a contradição é fundamental para compreendermos a quantidade de variáveis em jogo. Certamente essa proposta possui seus méritos e deméritos. Mas a questão essencial é: quem mais vai ganhar e quem mais vai perder? Quais são os interesses e quem são os interessados? Não existe um lado certo.

Quando deus entra na política as pautas tendem a ser infantilizadas. Se você é a favor do aborto está do lado da vida, se você é a favor da legalização das drogas está contra a família, este deputado age em nome de deus e aquele, em nome do demônio. Questões importantes são generalizadas, interesses ocultos são negligenciados e pautas complexas são simplificadas. A polarização estimula o ódio e a intolerância. Quando educamos uma criança, primeiramente ensinamos, de forma simples, o que consideramos certo e errado. Devido a sua inteligência limitada, não damos margem para a dúvida. Ensinamos que não é certo, por exemplo, roubar, bater e matar. Somente depois complexificamos a questão: mas e roubar para comer, bater para não apanhar e matar quem nos ameaça de morte? Quando simplificamos as pautas políticas, polarizando o certo e o errado, a verdade e a mentira, quando não aceitamos as contradições da vida, voltamos a pensar como crianças.

 

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