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“Ele é quem escolhe minhas roupas, o que vamos comer, tudo. Mas não me bate”, diz mulher vítima de um relacionamento abusivo

Entenda mais sobre o que é uma relação abusiva, seu impacto e suas consequências na vida das mulheres.

Karine Pires

No mês de junho, pesquisas sobre definições de “relacionamento abusivo”, “o que é relacionamento abusivo”, “relacionamento tóxico” cresceu repentinamente em um dos maiores sites de buscas do mundo, o Google, de acordo com o Google Trends. Paralelo às buscas, tem-se um novo contexto social devido à pandemia da Covid-19, doença que durante os últimos meses fez com que o isolamento dentro de casa fosse primordial como medida de combate ao novo coronavírus.

O relacionamento abusivo não tem sempre mulheres como vítimas, não ocorre somente em relacionamentos heterossexuais e não acontece somente em relacionamentos afetivos. No entanto, elas ainda são as maiores vítimas deste tipo de abuso. Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, houve um aumento de 40% de denúncias no mês de abril contra os crimes de violência doméstica durante a pandemia, crimes como este em alguns casos podem ser consequência de um relacionamento abusivo.

Pensando nesta questão, a redação do Jornal Cidade conversou com duas especialistas, que explicaram o que é, de fato, um relacionamento abusivo, como ele ocorre dentro das relações e de que forma as vítimas podem sair dele.

Foto: Reprodução/Internet

O que é de fato um relacionamento abusivo?

De acordo com Lécia Paiva, Psicóloga, Especialista em Políticas Públicas Sociais e consultora em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, um relacionamento abusivo é baseado no controle que uma pessoa pode exercer sobre a outra.

Relacionamento abusivo é um exercício de constante controle sobre a vida de outra pessoa. Geralmente quando você inicia uma relação, você não consegue perceber que essa relação pode caminhar para um relacionamento abusivo, porque no princípio o parceiro te agrada, faz as suas vontades, é gentil e educado etc. O abusador nesse tipo de relacionamento quer a parceira só para ele, pois ele acredita que ela não possa ter outros tipos de relacionamentos, por exemplo, de amizade ou mesmo, ter um sucesso profissional. Nada que seja do protagonismo dela interessa para ele.

 Camilla Gordiana, Psicoterapeuta em Terapia Cognitivo Comportamental e Especialista em Neuropsicologia, explica que esse “controle” acontece de várias formas e em várias esferas sociais, não sendo exclusivo de um relacionamento afetivo.

“É um relacionamento afetivo no qual há sofrimento. Um relacionamento em que o lugar do sentimento do amor, por muitas vezes, é confundido. A vítima costuma se perguntar com frequência se é amor ou abuso. Relações abusivas podem estar presentes em várias esferas da nossa vida como: amorosa, familiar, social e profissional. E é importante chamarmos atenção para isso, uma vez que, hoje fala-se muito do relacionamento abusivo voltado para as relações afetivas, inclusive, uma taxa alta de violência doméstica contra mulheres, foi registrada nessa quarentena. A violência é sempre presente em uma relação abusiva, seja do tipo, física popularmente mais conhecida, mas também, sexual, verbal, emocional, psicológica, financeira e tecnológica. A tecnológica trata-se do controle das redes sociais, da insistência em obter as senhas de uso pessoal e controle das conversas.”  Aponta, Camilla.

Segundo Lécia, o abusador ao mesmo tempo que é “ruim”, ele também é “bom”, devido ao jogo de manipulação emocional que provoca, fazendo com que a vítima tenha dificuldade de se perceber em uma relação abusiva.

“Outro ponto que dificulta que a vítima tenha essa percepção é o próprio envolvimento amoroso, quanto mais forte for o vínculo afetivo com seu agressor mais dificuldade ela vai ter de perceber o perfil de um abusador, ela sempre tende a pensar que tudo é por amor ou proteção.

A psicóloga também afirma que até chegar a uma provável violência física é que a vítima percebe que algo não está certo. Ressalta também que as mulheres não são resistentes em permanecer num relacionamento como este mas sim que encontram dificuldades em sair dele, seja por temer as reações do agressor por chantagens, ameaças ou pela dependência financeira e em alguns casos pelo preconceito, que teme enfrentar ao se separar do marido.

Qual o perfil das vítimas?

Segundo Lécia, toda mulher independente de raça, orientação sexual ou renda, está vulnerável a desenvolver um relacionamento com um homem que tenha um perfil abusivo ou tóxico.

 Outras estratégias do abusador e os impactos psicológicos nas vítimas

Camilla explica que entre as estratégias utilizadas pelo abusador há o de “inversão” que pode ser entendido como uma inversão de papéis.

O termo “inversão” no relacionamento abusivo, pode ilustrar a inversão de papéis ou em poucas palavras, no senso comum seria virar o jogo ao seu favor. Por exemplo, se é de minha responsabilidade pagar a conta de luz, mas eu esqueço, eu culpabilizo minha companheira por não ter deixado a conta no meu campo de visão ou não ter me entregado em mãos. Pode-se dizer que é mais uma estratégia de manipulação que funciona para agressão emocional, porque a partir disso, uma conta que não foi paga que era responsabilidade de um, passa a ser a responsabilidades e as consequências para o outro. 

 Essa manobra de inversão é tão rápida e automática que chega a ser inconsciente, irracionalizada. Não dá tempo de questionar a conduta antes de praticá-la. Todavia, é importante alertar que nem sempre essa manobra acontecerá de forma automática, ela poderá ocorrer de forma calculada e consciente, em prol dos objetivos do agressor, que muitas vezes são causar culpa, sofrimento e dor.

Além dos danos psicológicos, há danos neurológicos acarretados por doenças como depressão.

“Em outros tipos de agressões, comumente, vemos vítimas desenvolverem depressão, a depressão é uma doença que pode impactar a funcionalidade da pessoa, desde não conseguir trabalhar até prejuízos nas funções cognitivas como a atenção, velocidade de processamento e memória.” 

Como buscar ajuda e como oferecer ajuda à vítima?

Ambas as especialistas disseram que buscar ajuda, denunciar e se afastar desta relação são fundamentais para sair de um relacionamento como este. A psicóloga Lécia destaca que em casos em que o término não seja de forma amistosa, a vítima pode buscar os canais de denúncia para ter medidas legais que a proteja do agressor. A presença dos familiares e amigos também são importantes para alertar e ajudar a vítima a se afastar do agressor.

Camilla lembra que é importante oferecer suporte sem julgar a vítima ou opinar mas sim, acolhê-la.

“Não é hora de opinar, muito menos julgar e criticar. Essa pessoa agredida está desabastecida de afeto, e a melhor coisa a se fazer é dar a ela afeto, com atenção e respeito. Sei que muitas famílias podem encontrar dificuldades para lidar com isso, por isso, é importante também a família buscar ajuda profissional para receber informações precisas.”

Machismo estrutural

Foto: (Reprodução/Internet)

O machismo se trata de um preconceito, uma forma de oprimir mulheres no âmbito social. É um tipo de pensamento presente em opiniões e atitudes que não vão de encontro à igualdade de direitos entre os gêneros e sempre privilegia o gênero masculino de alguma forma.

Uma pessoa machista nem sempre se trata de homens, mulheres também podem reproduzir machismo por ele estar presente estruturalmente na sociedade e serem considerados como comportamentos e atitudes “normais”, porém, o principal alvo sempre são as mulheres. É o que explica a psicóloga Marcela de Oliveira Ortolan ao Folha de Londrina.

“É uma forma de opressão de gênero, não é enfocada em homens em específico, mas é a estrutura da sociedade. A opressão aparece de diversas formas: salário das mulheres, direitos ainda não conquistados, pesquisas médicas sobre o corpo feminino que ainda não foram realizadas. Nós não enxergamos isso porque não estamos treinadas a olhar”

Uma pessoa machista acredita que homens e mulheres possuem “papéis” a cumprir na sociedade e que a mulher não deve e não pode ter os mesmos direitos que o homem, além de inferiorizar aspectos intelectuais, físicos e sociais reforçando piadas, assédio e discriminação em outros casos mais extremos, até mesmo agressão.

Este tipo de pensamento permeia culturalmente em diversos tipos de relações e ambientes sociais. E é foco de desconstrução do movimento feminista, que luta pela igualdade de direitos das mulheres. Em uma entrevista ao portal Âmbito Jurídico, a juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, explica como o machismo normalizou tratar uma mulher como objeto.

“A subjugação máxima da mulher por meio de seu extermínio tem raízes históricas na desigualdade de gênero e sempre foi invisibilizada e, por consequência, tolerada pela sociedade. A mulher sempre foi tratada como uma coisa que o homem podia usar, gozar e dispor.”

Depoimentos

 “Tive dois relacionamentos abusivos, o primeiro eu era muito nova, e ele me fazia entender que eu só precisava dele não podia cortar o cabelo, usar roupa curta ou ter amigos homens, eu vivia só pra ele! E não conseguia entender isso, depois que terminou eu me senti horrível não tinha amigos, não tinha personalidade e prometi que nunca mais aconteceria. Até que tive um outro relacionamento onde era dito como libertador, o meu parceiro nesse momento inicialmente tinha algumas atitudes bem abusivas como não conversar comigo depois que eu ia em alguma festa, mas eu disse que assim não daria certo e a partir daí ele começou a agir de forma mais sutil.

Me controlava no financeiro, utilizava frases como “se você terminar comigo vai sempre se lembrar de mim por tal coisa (que era importante pra mim)”, tinha controle de onde eu estava/ do que eu fazia através dos meus amigos, quando eu estava pra terminar ele mudava completamente até que eu desistisse, eu não consegui sair desse relacionamento por muito tempo porque ele me fazia sentir que devia algo pra ele então estava sempre tentando compensar. Os dois eu só notei que era abusivo quando terminou, pela experiência do primeiro, eu nunca pensei que viveria a mesma coisa, então veio o segundo e eu nem percebi o que estava acontecendo.” (I.B – Médica Veterinária)

“Eu amo meu marido, temos duas filhas lindas. Mas ele sempre me menospreza, na cabeça dele, mulher não sabe fazer nada. Só que estranho o comportamento dele ao admirar outras mulheres que trabalham e são vaidosas. Na verdade, acho que ele não gosta dessas características em mim. Ele é quem escolhe minhas roupas, o que vamos comer, tudo. Mas não me bate. Só que isso também é violência e me sinto muito mal. Não adianta falar, ele diz que é assim e ponto, se eu não quiser é só ir embora. Mas tenho 29 anos e nunca trabalhei na vida, vou fazer o que?” (E.P.C – Dona de Casa)

 “Quando a gente começa um relacionamento a ideia é que a pessoa do seu lado irá te proteger. Tudo era motivo para que ele me batesse, um vestido, uma blusa que mostrava os ombros, um sapato de salto, um corte de cabelo… com medo e por achar que o amava, eu não denunciei. Quando a gente está em um relacionamento como este sempre achamos que a pessoa vai mudar. Mero engano! Quem é assim não muda, e não há razões que justifique a atitude. Sofri muito, pois na época não procurei ajuda e durante anos vivi sob a ameaça daquele ser “nojento”.  Só tenho uma coisa a dizer para quem passa pelo problema: não pense que você é forte para passar por cima de tudo isso sozinha. Lembre-se: às vezes você vai sair do relacionamento com sequelas físicas, mas há muitas mulheres que não sobrevivem para contar a sua história. DENUNCIE “.  ( R.L.M.A.C.- Professora).

 Como denunciar

Caso você esteja sendo vítima de violência e precise de um atendimento urgente, entre em contato com a Polícia Militar pelo 190 para denunciar as agressões. Há também o 180, canal da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, um serviço gratuito e público que preserva o anonimato das vítimas que solicitam algum tipo de atendimento. Além de receber denúncias e reclamações sobre os serviços da rede de atendimento à mulher, ele também orienta sobre a legislação vigente direcionando à outros serviços caso haja necessidade.

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