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Artigo: O perigo da liberdade

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contatos: [email protected] ou (37) 9 9924-2528.

Desde que o ser humano começou a se organizar em sociedade existem homens e mulheres lutando por liberdade. Nas cavernas os mais fortes dominavam o grupo, impunham-se violentamente sobre as mulheres e os homens mais fracos. Mais tarde a presença de escravos na sociedade foi comum durante quase toda a história da humanidade – na verdade, ainda convivemos com regimes de trabalho análogos à escravidão. Mulheres conquistaram a liberdade há relativamente poucos anos e até hoje precisam lutar por igualdade. Homossexuais morrem todos os dias nas mãos de pessoas que não aceitam que sejam como são. Em todos esses casos, homens e mulheres lutaram batalhas sangrentas para se libertarem. Por que é tão difícil aceitar a liberdade alheia?

A dominação violenta sobre o outro é uma característica relacional que está tão enraizada em nossa forma de conviver que parece até natural, já que está presente em todas as sociedades de todas as épocas e, inclusive, no mundo animal. Mas não somos animais irracionais, superamos há milhares de anos a vida selvagem; somos capazes de colocar em questão os valores que nos são importantes e o tipo de sociedade queremos construir. Contudo, é justamente na busca por uma sociedade ideal, idealizada diferentemente por cada grupo social, que reside grande parte dos conflitos de poder que assolam os relacionamentos e a vida em sociedade.

Hoje, o mundo está em guerra contra as drogas, não é permitido em quase todos os países o consumo de algumas. A sabedoria popular que afirma “a sua liberdade termina onde começa a do outro”, que considero um princípio fundamental para definir a liberdade, não vale para esse caso. A proibição existe mesmo que nenhum mal esteja sendo cometido. Os proibicionistas fazem isso em nome de uma sociedade idealizada, do sonho de um mundo melhor. O problema, contudo, surge na definição de mundo melhor, na forma de construí-lo e para quem se quer um mundo melhor. Todos têm opiniões, porém muitos querem impô-las. Não aceitam que as pessoas sejam como são ou se comportem como querem porque suas maneiras estragam a idealização de um mundo.

Homossexuais geralmente não se adequam ao mundo idealizado de quase nenhuma sociedade, costumam ser eliminados ou aparecem tentativas de corrigi-los. Até hoje a bancada evangélica do Congresso luta para permitir que psicólogos ofereçam a “cura gay”, por exemplo. Há algumas dezenas de anos nossa sociedade era um pouco mais agressiva, simplesmente os eliminava, matando ou trancafiando-os por toda a vida em instituições psiquiátricas. Por que fazemos isso?

Pessoas que idealizam o mundo seguem ideias normativas sobre a vida, sobre como as pessoas devem ser, sobre como devem se comportar. A liberdade de cada um é desconsiderada nesse mundo ideal, sonhado para ser um mundo melhor, talvez perfeito. Não à toa ditadores odeiam intelectuais, filósofos e pensadores críticos em geral, eles não se submetem as suas ideias normativas sobre como a vida deve ser. Não à toa a democracia está sempre ameaçada, a pluralidade de ideias em debate nos impede de prever onde chegaremos como sociedade ou que tipo de mundo construiremos. A construção não é feita por apenas um grupo, com base em uma única ideia normativa sobre como tudo deve ser. Com liberdade, aproximamos um pouco do caos. E as pessoas não lidam bem com o caos.

O caos nasce da liberdade assim como a ordem nasce da imposição de um grupo ditatorial. Quando pessoas são livres para pensar, normas sociais e padrões de comportamento são questionados, e isso é perigoso. As pessoas começam a fazer o que querem, ficam foram de controle. Tornam-se perigosas aos olhos de quem tem algo a perder. É necessário entender, todavia, que estar fora de controle é diferente de ofender a liberdade do outro. “A sua liberdade termina onde começa a do outro”, lembra-nos a sabedoria popular. Mais: estar fora de controle é diferente de não seguir normas sociais ou padrões de comportamento. Ter liberdade é poder escolher qual caminho seguir, quais normas ou padrões adotar. Estar fora de controle é estar livre. Normalmente, pais têm dificuldade para aceitar a liberdade dos filhos, pessoas têm dificuldade para aceitar a liberdade de outras pessoas e governantes não suportam a liberdade dos governados.

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