fbpx
jc1140x200

Maria do Lar

Isaías Santos é Policial Militar e Escritor

Viajando de volta de Angra dos Reis, cidade do Rio, parei o carro pra descansar um pouco no centro de São Lourenço, próximo ao Parque das Águas, lugar muito bonito por sinal. O Lucas (meu filho), lindão, foi tirar fotos.

Entusiasmadíssimo, procurou locais, pessoas e monumentos que coubessem na tela do celular. Uma mulher com o semblante sisudo, grave, como que perturbada com a nossa presença, inquietou-se, a ponto de levantar-se e procurar sentar-se em outro ponto da praça. Como era cedo e a viagem estava adiantada, fui até ela perguntando-lhe o nome: – Maria do Lar.

Após apresentações como de costume, perguntei-a o porque deste sobrenome, do lar, ao que ela respondeu que viveu durante alguns anos no “Lar Evangélico”, tipo uma casa para idosos. Depois de morar lá com sua avó durante alguns anos, mocinha, começou a trabalhar ali, vivendo e trabalhando no lugar, ficando conhecida como Maria do Lar. Ela contudo me disse que o nome dela verdadeiro não era Maria. Era Concebida dos Anjos Pereira. Mas ela gostava mesmo de ser chamada de Maria.

Me disse que lá trabalhou até aposentar-se e que, ainda é voluntária do lugar até a data de hoje. Todos os dias, seja feriado, dia santo, estando sob sol ou chuva, vai até a praça esperar a padaria abrir para apanhar os pães que são levados até o Lar. Segundo ela, esse ritual acontece já há quase cinquenta anos, visto que foi para o lar com dez.

Entretanto, algo de perturbador estava no semblante daquela senhora. Algo estava a incomodando muito. Repuxava os pés, piscava muito, levantava as sobrancelhas, apertava os dedos… Perguntei a ela o que estava ocorrendo, se ela estava se sentindo bem. Ela então contou uma história rápida, mas muito intrigante.

Disse ela que há alguns anos atrás esteve no Lar um homem alto, elegante, evangélico assim como ela e que estava viúvo. Procurava uma parenta de sua mãe. A mãe do homem estava muito doente e queria muito ver esta pessoa, visto se aproximar a hora da partida, segundo ele. O homem encantou-se com ela, dona Maria. E escreveu lhe uma carta. Que viria para encontrar-se com ela naquele dia no qual nos encontrávamos.

Ela estava muito bem vestida por sinal, muito bonita, com os cabelos presos, lenço colorido à cabeça, sandália nova pelo visto, anéis, pulseiras, cordões, tudo de ouro.

Após breve conversa, perguntei se ela havia se casado e ela disse que não. Que na verdade nunca havia namorado. Disse a ela que nada a impedia de seguir a vida e encontrar a felicidade, que tentasse. Caso não desse certo, ora, paciência. Pelo menos ela tentou. Se ela não tentasse nunca saberia se teria dado certo ou não. Ela riu, baixinho…

Ainda lhe disse: – olha, dona Maria, se for por falta de autorização (KKKK), visto que a senhora talvez não tenha mais o pai e a mãe, eu autorizo a senhora a namorar. Ela levantou-se, enchendo o peito, com um brilho maravilhoso nos olhos, mirando o celular e fazendo uma ligação telefônica.

Saiu andando rumo o Parque das Águas, atravessando a Praça. Gritei:- Ei dona Maria, e os pães? Ela gritou de lá: – Você hoje vai ser voluntário do Lar Evangélico por um dia. Você vai levar os pães!!!

E eu ri bastante, sentando no meio-fio. Depois de dez ou quinze minutos, parou em frente a padaria um veículo com a inscrição Lar Evangélico nas portas.

Aí entreguei os pães às pessoas que estavam neste veículo. Atravessando a rua, um funcionário da padaria gritou lá: – Ei, moço, tem que pagar os pães! E então tive que voltar e acertar os pães que a dona Maria havia apanhado lá. E pensei… se for verdade o que a dona Maria me disse, e eu acredito que seja mesmo, durante todos esses anos, ela comprou e pagou os pães do Lar Evangélico. E muito provavelmente não havia aceitado namorar com ninguém antes, visto a obrigação moral de ajudar o lugar onde ela cresceu e viveu todos esses anos.

Segui viagem.

jc1140x200
Abrir o WhatsApp
Como podemos ajudar?
Olá, como podemos ajudar?