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Artigo: Futebol no campinho

Juliano Azevedo Jornalista, Professor Universitário, Escritor. Blog: www.julianoazevedo.blogspot.com.br Twitter e Facebook: @julianoazevedo E-mail: [email protected] Instagram: @julianoazevedo / @ondeeobanheiro

Nunca fui bom de bola. Até tive sucesso como atleta de vôlei, handebol, queimada, rouba bandeira, basquete, ciclismo, natação, atletismo, mas o futebol não encaixava nas minhas pernas. Canela fina, diziam à boca miúda. Ginga zero para driblar os adversários. Magreza excessiva para aguentar os solavancos dos meninos maiores. Na divisão dos times, quem era ruim, ficava na zaga, atuando na defesa só para chutar para fora. Não me colocavam nessa posição. Na infância, os amigos ajudavam me escalando no gol, porém eu era da classe dos frangueiros. Pegava nada. Descobri na adolescência o motivo para não enxergar a pelota que vinha em minha direção: uns vários graus de miopia. Superei a dificuldade de não ser um brasileiro completo culpando os óculos que passaram a ser meus companheiros de caminhada. “Se tomasse uma bolada poderia quebrar as lentes”, falava para a turma que ficava sem um elemento no time.

Contudo, o futebol me deu boas lições. Aprendi as regras, passei a apitar as partidas nas aulas de educação física, atuei como bandeirinha da professora, marcava o placar, agitava a torcida nos campeonatos da juventude. Para quem ainda não tem talento musical, tocava até tarol, instrumento que poderia ter me levado aos palcos como percussionista ou baterista. Sonhador, mirei no microfone principal e não virei nem backing vocal. Respeito os ouvidos alheios.

O maior aprendizado que tive na quadra, ou quando o campo era o asfalto, é a importância do gandula. Sem ele, as partidas ficam enfadonhas. O tempo parado quando a bola é “isolada” ao longe desanima os jogadores. Com uma redonda reserva, o jogo não perde o pique. E quem estava de fora, esperando para entrar na competição, também era integrante da brincadeira. Se não havia gandula, a regra era clara: quem chutasse para fora, buscava a bola. Tudo se resolvia facilmente, numa rápida corrida. Ninguém discutia ou lamentava.

Seria esse momento uma preparação para outras caminhadas? Uma metáfora a ser usada na fase adulta?

Quando estamos com um dilema para resolver, parece que tudo conspira, principalmente, para que não haja resolução. Foi falta! Cartão vermelho! Estamos na maca rumo ao vestiário, dor na perna, pancada forte, dúvidas se o departamento médico nos autorizará a entrar no campo novamente. Bola fora. Pode ser no trabalho, no relacionamento amoroso, na família.  Seria o fim da partida, tirar a camisa e se entregar ao problema? Nesse instante, o universo é camarada, dá uma força, as dicas surgem de todos os cantos. De trás do gol, escondido, aparece uma solução, justamente daquele que recoloca a bola para girar novamente.  Temos gandulas por toda a vida.

São as pessoas encarregadas de nos dar uma ajuda para resolver tarefas e para enfrentar as adversidades. Para incentivar, para recolocar a bola em jogo, para vibrar com a vitória, chorar nas perdas, dar o abraço. Demonstrar afeto e elevar a autoestima. Infelizmente, no esporte, é uma função que não ganha troféu, não recebe a medalha, não é lembrada nos melhores do ano, mas no campeonato do dia-a-dia, certamente, nós oferecemos a eles os aplausos e o agradecimento pela generosidade. Ter um gandula na vida é um privilégio, porque se trata de uma missão nobre. Ainda bem que o gandula nunca é o dono da bola. Afinal, a partida só termina quando todos estão cansados, quando anoitece, ou quando a mãe do titular da pelota manda ele ir para casa. Gandulas permanecem até o fim.

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