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Artigo: Dona Dalva do Zé Garcia

Quando estive na cidade de Campestre, no Sul de Minas, acompanhando meu amigo dileto e nesta época, meu patrão, José Francisco Rezende, acabei por fazer amizade com a Dona Dalva, então cozinheira de um pequeno restaurante no qual almoçávamos e jantávamos todos os dias.

Certo é que depois de alguns anos, trabalhando com música, com shows musicais, voltei novamente nesta cidade e qual não foi minha surpresa ao deparar-me com a dona Dalva trabalhando ali, sorridente, alegre, brincando com tudo e com todos. Dizia que era bom para passar o tempo. Que o dia passava mais depressa e assim ela poderia ir novamente para casa, a qual era o seu refúgio. Dona Dalva era espirituosa. Tinha sempre um conselho, uma advertência, um “recado da vida” como ela dizia, para admoestar aqueles que investiam um pouquinho do seu tempo para ouvi-la.

Há cerca de dois anos atrás, passeando, entrei na cidade de Campestre e decidi ir almoçar no restaurante no qual a Dona Dalva trabalhava. Naquele tempo ela já estava com seus sessenta e poucos anos. O Lucas Junior (meu filho) nem era nascido ainda. Hoje ele está com treze anos (o tempo é um ser malvado e invencível, kkkk).

No restaurante disseram-me que a dona Dalva havia enfim se aposentado. Aposentada novamente, porque ela já havia se aposentado mas os patrões não quiseram deixa-la em paz. Foram busca-la em casa logo no primeiro dia da aposentadoria, dizendo que sem ela o restaurante não andava. O que eles tinham mesmo toda a razão. Uma semana sem a dona Dalva e o restaurante virou um caos.

Dona Dalva retornou ao restaurante e trabalhou por mais de dez anos. Só que desta vez ela quis mesmo se afastar das atividades. Não que estivesse cansada. Estava mesmo era desalentada com a profissão. Disse dona Dalva que ela estava desiludida com a profissão de cozinheira. Que logo aos onze anos foi para a cozinha. A segunda irmã mais velha de um total de dez irmãos, sendo quatro mulheres e seis homens, ficou coma incumbência de coar o café e fazer pão; fazer o almoço; cozer biscoitos e bolos para o café da tarde e fazer a janta.

Pela madrugada, levantava-se antes das cinco da manhã para preparar café para o pai levar para a roça (muito embora vivessem num sítio na zona rural) bem como preparar comida e montar os caldeirões para os irmãos levarem para a lida. A mãe sempre foi muito doente e assim permaneceu durante toda a adolescência e parte da juventude da dona Dalva.

Casou-se com Teodoro, amigo dos seus irmãos e sobrinho em segundo grau de sua mãe, a qual fez gosto do namoro e casamento dos dois. Dona Dalva disse que Teodoro era muito trabalhador e gostava muito dela. Deu-lhe quatro filhos, sendo que um deles nascera com a mesma doença de sua mãe, custando-lhe alguns sacrifícios, ficando permanentemente em casa para cuidar do filho. Quando este completou vinte anos, faleceu. Passados dois anos do falecimento do filho, foi a vez do marido, Teodoro falecer devido complicações com o coração.

Segundo dona Dalva, a doença de Chagas foi a responsável por levar Teodoro. Os demais filhos casaram-se e foram morar em outras cidades. Dona Dalva sempre trabalhou neste restaurante desde a sua juventude, tendo sido funcionária do avô, o primeiro patrão, do filho e agora do neto, que é o responsável por tocar o restaurante. Era adorada por todos. Mas muito embora sentisse falta dos amigos e clientes, disse que estava cansada de lavar a mesma panela quatro, cinco vezes ao dia. Disse que tinha verdadeiro ódio de meia dúzia de panelas que lá existiam.

Todos os dias era um tal de “suja panela, limpa panela, lava panela, enxuga panela”… As colheres de metal recebiam tratamento igual, visto o trabalho ininterrupto. Mesmo em casa ela dizia que não suportava as visitas inesperadas de cunhadas, irmãs, irmãos e cunhados, que vinham rotineiramente em sua casa para “comer da sua comida”. Ela dizia que oferecia a cozinha para as irmãs e cunhadas cozinharem, mas elas diziam que queriam mesmo era “comer da comida dela”, saborosa, bem feita, com tempero inigualável.

Disse que quando avisavam que viriam, dava uma desculpa qualquer e ia para a roça de algum conhecido, ou mesmo para a casa dos patrões em Franca, visando fugir da cozinha. Emagreceu muitos quilos. Não queria saber de comida. Passava o dia a comer salgados prontos e tomar refrigerante, mais precisamente coca-cola, sua paixão, sempre após tomar uma ou duas doses de pinga da roça.

E dessa derradeira vez que fui até Campestre, meio contrariado em almoçar na cantina famosa, por não ter mais a dona Dalva como cozinheira, coisa que tirou talvez a magia do lugar, deparei com uma figura imponente, aos gritos e gargalhadas, mandando colocar isto aqui, isto acolá, retirando engradados de cerveja e refrigerantes da porta da cantina, esbravejando com os garçons e dando bronca no recepcionista que não ofereceu toalhas e guardanapos para os clientes na chegada. Lá estava ela, Dona Dalva.

Com o avental vermelho de sempre, contudo maquiada, com óculos modernos para a sua idade, brincos, pulseiras e colares, tudo de ouro, com uma plaquetinha no lado esquerdo do vestido, escrito GERENTE em vermelho rubro, puxando cadeiras para os clientes se assentarem, oferecendo a cachacinha da roça para “abrir o apetite”, por conta da casa. Fiquei muito feliz. Almocei com muito gosto.

O dono do restaurante, visto a impossibilidade de acertar com a dona Dalva o montante de mais de quase cinquenta anos de serviços prestados com carteira assinada na cantina, ofereceu-lhe sociedade. Repassou para a dona Dalva cinquenta por cento do negócio. O que lucrasse de bebida era apenas dela. E a dona Dalva aceitou.

Com mais de setenta anos, remoçou. Estava radiante, alegre, vibrando com a nova etapa em sua vida. Por um momento lembrei-me da querida amiga, advogada, doutora Maria das Graças, alegre, com seus vestidos floridos e aquele sorriso que é dom de Deus. Salve dona Dalva.

Que alegria! Sempre um prazer revê-la. Que Deus lhe dê saúde.

A conta? Só porque era a Nanda que ia pagar (pela primeira vez, mão de vaca igual não sei o quê), a dona Dalva pegou a conta e disse que ia colocar a notinha no prego do Zé Garcia, seu namorado, cabo da reserva, da Polícia Militar.

Histórias que o povo conta…

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