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Carona

Toda vez que ele cruzava o rio Santana, em direção à Japaraíba, via aquela senhora magra, de roupa simples, humilde, cabelos loiros, sem brilho, sem cuidado, atravessando a pista e parando na entrada dos Lopes. A menina branquinha, de cabelos cacheados e louros, era sempre triste e com o olhar distante.

Perguntada sobre o porquê de tanto silêncio, a mãe respondia que era saudade das pessoas que ela gostava. Não entrada em detalhes e encerrava a conversa sempre de forma abrupta, pedindo para parar quase na entrada da Ilha, antes da curva à esquerda, entrando sempre à direita onde um homem a esperava.

Estranhou o fato do homem estar sempre com a mesma roupa a esperar aquela mulher. Como passava sempre no mesmo horário, encontrava a senhora no mesmo lugar, com a menina. Deu-a carona por diversas vezes. Nem uma, nem duas, várias vezes. Certa feita, deteve-se por instantes no trevo de Japaraíba. Estavam refazendo o asfalto no trevo e, como havia veículos à sua frente e atrás, não teve como passar por outro caminho. Não havia jeito. Era esperar.

Certa vez pegou a estrada antiga da Usina, a que passa por trás da Ilha, que dá na estrada que liga Arcos a Iguatama. Por mais que errara o caminho por duas ou três vezes, dando em porteiras fechadas e fazendas, conseguiu chegar em Arcos sem passar na MG 170. Pois bem. Chegou na entrada dos Lopes e não viu nem a mulher e nem a criança. Ficou intrigado.

No outro dia também não avistou nenhuma das duas. E por assim passaram-se os dias, ao marco de duas semanas. Ficou chateado primeiro, intrigado mais ainda. Um dia, passando pela curva, avistou o homem com a roupa de sempre: butinas marrons, meias marrons, calça de brim bege, limpa, camisa de mangas compridas, azul e um pequeno chapéu marron na cabeça. Correia de fivela, grande relógio Oriente no braço direito.

Com a barba rala, tinha também ele um semblante triste e evasivo. Parecia olhar o horizonte, o nada, enquanto conversava. Indagou-o sobre a vida, sobre a sorte, a que tudo o homem respondia “como Deus quer”, “como Deus concede”, “como Deus planejou”… Perguntado acerca da mulher e da criança, o homem saiu do seu território mental, fitando-o como enorme sobressalto.

Não acreditava. Ouviu com atenção o relato feito e solicitou ao amigo que fosse até a sua casa. Em lá entrando, qual não foi a sua surpresa quando avistou numa fotografia a mulher e a criança, quase que com as mesmas roupas de quando ele oferecia a ela carona: a mulher com sapato de camurça vermelho, vestido bege com flores vermelhas e amarelas; faixa preta na cintura, cabelos presos no alto da cabeça formando um coque; pulseiras beges de bolinhas em ambos os braço e uma bolsa pequena, marrom. Amarrada na bolsa, uma fita de Santa Rita, verde.

A menina vestia saia verde escuro, com uma blusa branca, gravatinha preta, sapatos pretos, meias brancas, brancas. Na cabeça uma grande fita branca prendia os lindos cabelos loiros e cacheados. O homem afirmou que elas haviam morrido há cerca de três anos. Que ele sempre as aguardava naquele mesmo lugar todos os dias, a tarde, naquele horário.

A mulher ia cedo para Japaraíba levar a criança para deixa-la na escola. Após, ia para os Lopes cuidar da mãe, adoentada. Na data que ele apontou na parte de baixo do quadro, elas foram atropeladas na pista, por um caminhão desgovernado.

Desde então, ele todos os dias vai para a beira da pista, como num ritual, para espera-las. Aquela vã esperança que elas, do nada, descessem de algum veículo, fosse qual fosse. Disse a ele que naqueles dias da semana marcados, havia apanhado as duas na entrada dos Lopes e deixando-as nas proximidades do lugar no qual ele as esperava todos os dias.

O bom homem sorriu, não acreditando muito em suas palavras… Saiu da casa do homem, despedindo-se dele, olhando para o quadro que ora ficava para trás, com a nítida impressão de que tinha certeza das caronas e das duas passageiras, companheiras de tão curta viagem.

O homem afirmou que no dia anterior, rezaram uma missa na casa da sua sogra, benzendo a bolsa e a mochila de escola das duas. Pensou ele então que as duas por fim, mãe e filha encontraram carona para outro lugar..

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