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Artigo: É preciso abolir as certezas

Rodrigo Tavares Mendonça é psicólogo. Contatos: (37) 99924-2528 e [email protected]

O professor da Unicamp e historiador Leandro Karnal, um dos maiores intelectuais do país, palestrou recentemente sobre o diálogo com pessoas dogmáticas. Para ele, conversas com pessoas dogmáticas giram em círculo, não avançam nem saem do lugar, pois essas pessoas não possuem dúvidas e, por isso, não estão abertas a novas ideias. Em outras palavras, segundo o professor, é impossível dialogar com dogmáticos. A certeza é cega e surda, só não é muda.

Dogmáticos são catequistas, creem em uma verdade que exclui outras verdades e, quando bem intencionados, querem salvar os outros ou iluminar seus caminhos por meio dessa verdade, vista como a única possível. Por esse motivo é melhor conviver com pessoas dogmáticas mal intencionadas. Elas não querem o seu bem e, por isso, não insistem em mudar sua opinião.

Existem inúmeros dogmatismos. O mais comum e o único aceitável para mim é o dogmatismo religioso, que não aceita a fé divergente (lembrando que aceitar é estar de acordo, diferente de respeitar). Isso porque não existe religião sem dogma. Religiosos que duvidam de conceitos fundamentais de sua fé desconstroem a própria religião. Basta imaginar, por exemplo, cristãos duvidando da virgindade de Maria ou da bondade de deus.

Todos os outros dogmatismos, entretanto, merecem o benefício da dúvida. O dogmatismo vegetariano, por exemplo, é intragável. O catecismo sobre a opressão e a crueldade que os seres humanos promovem aos outros animais separam famílias durante o almoço de domingo. O dogmatismo político, então, é um tapa na cara. Pessoas que não aceitam discutir posicionamentos políticos, que não se interessam por compreender a opinião divergente, que acreditam que seus rótulos definem perfeita e completamente o lado político oposto não se abrem ao diálogo. É como conversar com uma máquina que possui respostas prontas para todas as perguntas.

Ter opinião é diferente de ter certeza, assim como é diferente do “achismo”. Certeza é o que não suscita dúvida. Nesse sentido, certeza e dogma são sinônimos. Opinião, por outro lado, pode ser entendida como a adoção de convicções como verdades questionáveis. É ter um pé na certeza e outro na dúvida. É ter convicção sem provas, como os procuradores da Lava Jato. É possuir embasamento para acreditar, mas estar aberto a opiniões divergentes. O “achismo”, simplesmente, é ideia sem fundamento. É achar porque veio à cabeça, sem embasamento nenhum.

O risco de não ter certeza é paralisar a ação. Nenhuma revolução é feita com base na dúvida. O povo não sai às ruas para protestar se estiver em dúvida. Tiradentes e os inconfidentes não estavam em dúvida quando enfrentaram a coroa portuguesa nem os caras-pintadas estavam em dúvida quando entraram em conflito com os militares exigindo eleições diretas. Para Karnal, toda filosofia nasce da dúvida. Em outras palavras, a dúvida é o motor do pensamento, mas o freio da ação. A certeza, o oposto. Os dogmáticos não pensam duas vezes ao seguir em frente, mas suas ideias carecem de complexidade. São como crianças que simplificam o mundo para conseguir compreendê-lo. A ação dialógica, que respeita os pontos de vista divergentes, possui opinião fundamentada, mas convive com a incerteza inerente a todo sistema complexo de pensamento. A pessoa com opinião tem certeza na dúvida, aceita a contradição.

A principal virtude do militante que adere ao pensamento dialógico, sistema complexo de ideias que aborda a incerteza e a contradição e explorado com profundidade pelo sociólogo francês Edgar Morin, é a coragem para aceitar a contradição inerente à existência e, mesmo assim, seguir em frente, sair às ruas, crer no próprio ponto de vista, valorizar as próprias opiniões, correr o risco de errar, não se paralisar. É assim que se faz história, como bem sabe o professor Karnal.

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