“A fraude está comprovada”, afirma promotor
Ministério Público investiga suposta “indústria do atestado médico” que teria a participação de servidores municipais e de médicos
Duas professoras da Secretaria Municipal de Educação apresentaram atestados médicos e se ausentaram do trabalho. O motivo? Realização de procedimentos estéticos. Na ausência das educadoras, a secretaria teve que delegar a duas estagiárias a tarefa de ensinar as crianças.
Outra servidora da prefeitura de Lagoa da Prata pediu licença do trabalho, também embasada por um atestado médico, e ao invés de supostamente tratar o seu problema de saúde, está trabalhando em um supermercado da cidade.
Uma professora da rede municipal de ensino apresentou um atestado médico no mês de maio, solicitando o afastamento do trabalho pelo período de 30 dias por motivos de saúde. Mas nas semanas seguintes ela embarcou para os Estados Unidos para curtir a praia, amigos e uma festa de casamento. Tudo isso registrado em fotos e publicado, por ela mesma, no Facebook. Nos Estados Unidos, ela obteve um novo atestado médico, prorrogando o afastamento por mais 30 dias. A servidora voltou ao trabalho na última segunda-feira.
Esses e outros casos, apurados pelo Jornal Cidade junto à Secretaria Municipal de Educação, são considerados “bizarros” pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e serão apurados pela promotoria para investigar a existência de uma indústria criminosa para a emissão de atestados médicos. A promotoria tomou conhecimento do assunto por meio de uma denúncia feita pelo prefeito Paulo César Teodoro. “A situação narrada pelo Município de Lagoa da Prata atinge as raias do absurdo e me parece, sinceramente, evidenciar Esses e outros casos, apurados pelo Jornal Cidade junto à Secretaria Municipal de Educação, são considerados “bizarros” pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e serão apurados pela promotoria para investigar a existência de uma indústria criminosa para a emissão de atestados médicos. A promotoria tomou conhecimento do assunto por meio de uma denúncia feita pelo prefeito Paulo César Teodoro. “A situação narrada pelo Município de Lagoa da Prata atinge as raias do absurdo e me parece, sinceramente, evidenciar a existência de uma verdadeira indústria criminosa para emissão de atestados médicos, que, certamente, conta com a atuação dolosa e ímproba de médicos e de servidores públicos municipais”, explicou o promotor Luis Augusto Rezende Pena.
Nos meses de abril a julho de 2015, mais de 50% dos servidores municipais (mais de 550), de um total de 1100, se afastou mensalmente do trabalho por meio de atestados médicos. Nesse mesmo período, de acordo com as investigações do MPMG, o índice de afastamento de uma grande empresa de Lagoa da Prata, que emprega mais de mil funcionários, foi de 15% a 17%, o que evidencia a ação dessa indústria criminosa de emissão de atestados médicos.
Na entrevista a seguir, Luis Augusto afirma que “vai até as últimas instâncias” para punir os médicos e servidores que forem comprovadamente culpados. O promotor vai ajuizar ação civil e criminal, que prevê multa e até a prisão dos envolvidos.
Jornal Cidade: O senhor fala em uma indústria do atestado médico. É isso mesmo?
Dr. Luis Augusto: Eu estou absolutamente convicto de que nós estamos diante de uma indústria criminosa de emissão de atestados médicos em benefício de servidores em Lagoa da Prata. Os números falam por si mesmo. Não é razoável, em circunstância alguma, ter um afastamento de 50% de servidores todos os meses dentro de qualquer empreendimento, seja de natureza pública ou privada. A situação realmente é absurda. A emissão de atestado médico ideologicamente falso é crime previsto no artigo 302 do Código Penal. E o uso desse atestado médico caracteriza crime previsto no artigo 304, ambos com pena de até 1 ano de detenção.
Jornal Cidade: Como o senhor tomou conhecimento da situação?
Dr. Luis Augusto: O prefeito chegou a comentar comigo, por acaso, que estavam trabalhando com um número muito grande de servidores afastados por atestado médico. Diante disso, pedi que me comunicasse o fato por escrito, mas na hora que ele enviou o documento e informou os números, eu me assustei. Nenhuma empresa se sustenta com esse percentual de afastamento mensal. A situação é a mesma com o município, ele não se sustenta se não tiver um percentual dos servidores disponíveis todos os dias.
Jornal Cidade: Quais medidas o Ministério Público vai adotar?
Dr. Luis Augusto: A primeira é de natureza criminal. A emissão de atestado médico ideologicamente falso é crime. E o uso deste atestado também caracteriza crime. A primeira medida será de natureza criminal, se for comprovada a fraude. Vou ajuizar ações penais contra os servidores que fizeram uso do atestado médico falso e contra o médico que emitiu falsamente um atestado médico. Esses crimes têm pena de detenção de até um ano. A segunda medida é de natureza civil. Vou ajuizar ação de improbidade administrativa tanto contra o servidor quanto o médico. Várias consequências podem acontecer. Uma delas, que eu não vou abrir mão, é cobrar do servidor e do médico, inclusive, o ressarcimento dos dias que o servidor esteve afastado à custa de um atestado médico falso, porque isso tem um custo para o município. Além disso, vou provocar também o CRM, dando notícia dessas situações que sugerem fraude, para que o conselho instaure procedimento disciplinar contra o médico que eventualmente tenha emitido atestado médico gracioso ou falso. E também vou provocar o município para que instaure sindicância para apurar essas eventuais fraudes praticadas por servidores.
Jornal Cidade: O servidor pode perder o seu emprego?
Dr. Luis Augusto: Sim, num eventual procedimento administrativo. É possível que até na ação de improbidade administrativa perca o cargo público. E o médico, se eventualmente processado pelo CRM, pode ter o seu registro cassado e ficar impedido de exercer a medicina.
Jornal Cidade: A situação pode estar acontecendo também com servidores públicos estaduais?
Dr. Luis Augusto: Sim. É bem provável que isso possa estar acontecendo na Secretaria Estadual de Educação. Ou seja, professores fazendo uso abusivo de atestados médicos para se ausentar o trabalho e não suportar o prejuízo da remuneração. Vou dar ciência ao governo do estado e vou oficiar o INSS para que tome ciência desses fatos.
Jornal Cidade: As evidências apuradas até o momento indicam realmente a existência da fraude?
Dr. Luis Augusto: O absurdo é tão grande que a gente tem, a cada dois meses, o município desfalcado de todos os seus servidores, já que a cada mês ele trabalha com metade dos servidores afastados por atestado médico. Os números são absurdos e falam por si. Mas eu já tive o cuidado, inclusive, de oficiar uma empresa local para eu ter a possibilidade de números comparativos. Essa empresa tem um número aproximado de empregados (algo em torno de 1000 a 1400). E o maior percentual que ela teve de afastamento nesses períodos que a prefeitura informou (abril, maio, junho e julho) foi em abril, de 25%, que foi na época do surto de dengue. Nos meses seguintes, que não se teve a epidemia, o percentual de afastamento ficou entre 15% e 17%. Por que numa empresa, que tem condições muito mais hostis de trabalho, não tem o mesmo índice de afastamento da prefeitura? Fraude. O trabalhador da iniciativa privada sabe que se ele abusar da quantidade de atestados médicos ele é demitido. E no serviço público enganosamente, se acha que isso não pode acontecer. Então a fraude está comprovada, não tem dúvida nenhuma que estamos diante de situações que servidores estão pagando ou recebendo um atestado médico gracioso, e via de consequência, médicos vendendo ou emitindo atestado gracioso.
Jornal Cidade: A prefeitura não citou nomes, mas informou a existência de uma servidora que apresentou um atestado médico e, em seguida, viajou de férias para os Estados Unidos. O senhor tomou conhecimento dessa situação?
Dr. Luis Augusto: Informalmente, eu já tomei ciência desse fato. Esta será, certamente, uma das questões mais gritantes que a gente tem. Parece-me que nesse caso, o servidor, ou a servidora, teve o desplante de chegar e dizer: “Olha, eu não vou trabalhar, vou pegar atestado médico e não vou trabalhar.” Então, há o dolo. Ou seja, tem tanta certeza que não vai trabalhar, que vai se ausentar do trabalho, que vai ter faltas justificadas, que afirma que vai se ausentar e vai apresentar atestado médico. E ainda teve o desplante de colocar nas redes sociais. É um caso clássico de dolo e má fé, tanto da parte do servidor, quanto do médico que emitiu o atestado.
“Então a fraude está comprovada, não tem dúvida nenhuma que estamos diante de situações que servidores estão pagando ou recebendo um atestado médico gracioso, e via de consequência, médicos vendendo ou emitindo atestado gracioso.” Luis Augusto Pena, promotor.